quinta-feira, 13 de junho de 2013

Mulheres são as mais afetadas por medidas de austeridade

A crise e as medidas de austeridade tiveram um
 impacto negativo sobre a mão de obra feminina, afirma
o subdiretor-executivo para Políticas e Programas
 da ONU Mulheres, John Hendra

A propagada crise financeira na Europa e seu negativo impacto no Sul em desenvolvimento deram lugar a uma onda de severas medidas de austeridade. As principais vítimas? As mulheres. “A crise e as medidas de austeridade tiveram um impacto negativo na mão de obra feminina”, afirmou John Hendra. 

Por Thalif Deen*, na IPS


Pelo menos nove países europeus – Bélgica, Eslováquia, Espanha, Grécia, Holanda, Irlanda, Itália, Portugal e Romênia – estão reduzindo ou eliminando subsídios. As medidas também incluem a redução ou limitação dos salários estatais, aumento dos impostos sobre consumo e reformas das aposentadorias, da assistência social, do sistema sanitário e do mercado de trabalho.

“Não há nenhuma dúvida de que os mais pobres e vulneráveis, cuja maioria é de mulheres, são os mais afetados pela austeridade”, disse à IPS o subsecretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), John Hendra. Isto ocorre tanto em países em desenvolvimento como nos industrializados, destacou Hendra, que também é subdiretor-executivo para Políticas e Programas da ONU Mulheres.

As famílias mais pobres e vulneráveis já estão se ajustando às sucessivas crises há muitos anos, com aumento nos preços dos alimentos e combustíveis, e, portanto, sua capacidade de resistência hoje é limitada, afirmou Hendra em entrevista à IPS. Hendra também foi representante do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) em vários países, entre eles Letônia, Tanzânia e Vietnã.

Em agosto de 2012, segundo as últimas estatísticas, o desemprego entre as mulheres era maior do que entre os homens em dez países da União Europeia: Eslováquia, Eslovênia, Espanha, França, Grécia, Itália, Luxemburgo, Malta, Polônia e República Checa. Na Espanha e na Grécia, mais de um quarto da mão de obra feminina estava sem emprego no ano passado. Além disso, a brecha salarial entre homens e mulheres aumentou em vários países, particularmente na Bulgária, Letônia e Romênia.

Segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), a proporção de mulheres em empregos vulneráveis é maior do que a dos homens em todo o mundo, e em algumas regiões de maneira significativa. No norte da África, por exemplo, 55% das mulheres, contra 32% dos homens, têm empregos vulneráveis. No Oriente Médio, a proporção chega a 42%, contra 27% para os homens, e na África subsaariana é de 85% contra 70%.

IPS: A crise financeira, propagada tanto no Norte industrial quanto no Sul em desenvolvimento, pode afetar alguns dos êxitos alcançados pelas mulheres na última década?
John Hendra: Acredito que sim. Por exemplo, a crise e as medidas de austeridade tiveram um impacto negativo sobre a mão de obra feminina. Na Europa, esta diminuiu. A taxa de desemprego é maior entre as mulheres do que entre os homens em muitos países, e a brecha salarial também aumentou. Em países em desenvolvimento a crise e as medidas de austeridade levaram muitas mulheres para o trabalho informal e vulnerável. Como as mulheres, em geral, são empregadas com contratos frágeis e não permanentes, são mais vulneráveis a serem demitidas em tempos de recessão. Elas sofreram uma perda desproporcional de empregos durante a crise financeira asiática (1997-1998) e na crise mundial de 2008-2009. As medidas de austeridade também tiveram impacto negativo no progresso para uma distribuição mais equitativa das tarefas de cuidados. Os cortes nos serviços públicos de saúde e cuidados derivaram em uma nova privatização e em um regresso às regras de gênero tradicionais.

E quanto é severo este revés para alcançar os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM) referentes a empoderamento de gênero, saúde materna e mortalidade infantil?
Há um risco real de que a austeridade reduza o progresso para os ODM. Como disse há pouco a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômicos, as medidas provavelmente frearão o crescimento e a redução da pobreza, exacerbando as desigualdades. Segundo o Overseas Development Institute e a Plan International, a queda de 1% no produto interno bruto aumenta a mortalidade infantil para 7,4 mortes para cada mil meninas nascidas vivas, contra 1,5 mortes para cada mil meninos nascidos vivos. As taxas de conclusão do curso primário caem durante a época de recessão. Entre as meninas esse índice chega a 29% contra 22% dos meninos. Nas crises econômicas mais mulheres dão à luz em casa no Sul em desenvolvimento, e sua situação nutricional e o número de exames médicos pré e pós-natal diminui. Isto afeta significativamente o êxito do Objetivos do Milênio. A agenda de desenvolvimento da ONU para depois de 2015 pode ajudar a tratar a desigualdade, melhorar o respeito aos direitos humanos e garantir que todos os países se comprometam com a sustentabilidade, a igualdade e a erradicação da pobreza. O mais importante é assegurar que a igualdade de gênero seja central em uma nova agenda de desenvolvimento, e que inclua uma meta específica sobre o tema e o integre em todas as outras metas e outros objetivos. Também é fundamental seguir de perto o atual modelo de crescimento e as políticas de austeridade. Creio que nas últimas semanas foi alcançado um ponto de quebra no debate sobre as medidas de austeridade, quando o Fundo Monetário Internacional admitiu que o impacto recessivo destas foi mais grave do que se previa, e que foram identificados erros na informação e nas análises sobre a dívida pública nas quais se apoiaram essas medidas.

*Thalif Deen é jornalista da IPS, que colabora com o Diálogos do Sul


Fonte: Vermelho

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