sábado, 29 de dezembro de 2012

"A esperança é o único bem comum a todos os homens; aqueles que nada mais têm - ainda a possuem." Tales de Mileto
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Aprovada lei para punir empresa que usar trabalho escravo em SP


A Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp) aprovou o projeto de lei 1034/2011 (PL 1034/2011) que cassa o cadastro de contribuintes do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) flagrados com o uso de trabalho escravo. A aprovação ocorreu na terça-feira (18) e aguarda sanção do governador Geraldo Alckmin para entrar em vigor a partir de 2013.



O PL prevê que empresas que se beneficiem da exploração direta ou indireta deste tipo de mão obra serão impedidas de exercer o mesmo ramo de atividade econômica, ou abrir nova firma no setor, durante um período de 10 anos.

Com a lei, estabelecimentos envolvidos com a exploração de trabalhadores em condições análogas às de escravo terão o nome, bem como o endereço, o número no Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ) e o nome completo dos sócios divulgados no Diário Oficial do Estado de São Paulo por meio de ato do Poder Executivo.

De autoria do deputado estadual Carlos Bezerra Jr. (PSDB), o projeto foi aprovado por unanimidade, com apoio de todas as bancadas, e agora deve seguir para sanção do governador do Estado de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), que ainda pode vetar a lei. O parlamentar propositor estima, no entanto, que a proposta deve ser sancionada em curto prazo, visto que foi feita inclusive uma consulta prévia junto à Secretaria da Fazenda paulista.

O PL 1034/2011 complementa outras punições já existentes na legislação brasileira contra empregadores que tenham submetido indivíduos à escravidão contemporânea. No tocante à legislação nacional, um dos principais mecanismos em vigor é o artigo 149 do Código Penal, que tipifica o crime de submeter alguém a condições análogas à escravidão. A punição prevista é de reclusão de dois a oito anos, além de multa.

Segundo Carlos Bezerra, a idéia do projeto de lei é a de intensificar a repressão econômica com vistas a coibir a exploração desse tipo de mão de obra. “O conceito da proposta surge da compreensão de que quem se utiliza de trabalho escravo não tem outro objetivo que não o do lucro a qualquer custo. Então, para enfrentar esse crime, é preciso gerar prejuízo a quem o pratica. Esse é conceito do projeto”, reforça o deputado.

Em entrevista à Repórter Brasil, o autor do PL 1034, explica alguns detalhes do projeto e salienta a importância de uma legislação estadual específica para tratar das formas de escravidão contemporâneas. Além de deputado estadual, ele é médico, vice-presidente da comissão de direitos humanos e líder de seu partido no Parlamento estadual.

Repórter Brasil: O projeto determina a cassação do cadastro de contribuintes do ICMS de estabelecimentos que faça uso "direto ou indireto" de trabalho escravo. Qual é a importância de punir empresas envolvidas em qualquer uma das etapas das cadeias produtivas flagradas?Carlos Bezerra: Há consenso entre quem trabalha e milita nessa temática quanto ao fato de que muitas empresas se valem do argumento da terceirização para esconder a exploração de trabalhadores em condições de escravidão. Aqui em São Paulo, por exemplo, há caso de uma grande marca cuja terceirizada respondia por 90% de sua produção – ou seja, tratava-se, na verdade, de uma terceirização pró-forma; uma mise-en-scène [encenação] para dificultar a fiscalização, descumprir a lei e se livrar da responsabilização. Por isso, nesse aspecto, o projeto de lei é taxativo: é preciso ser responsável pelo que acontece na cadeia produtiva. É preciso saber quem são os fornecedores e como produzem. É necessário dar transparência a todos esses processos. Ao fazer isso, a proposta veda essa brecha que por anos facilitou a vida de quem escraviza.

Repórter Brasil: A cassação do ICMS de quem vende produtos fabricados com mão de obra escrava não pode eventualmente confundir a percepção de quais são os principais segmentos que empregam formas contemporâneas de escravidão?CB: Hoje, os principais setores em que se observa condições análogas à escravidão [no Estado de São Paulo] são construção civil e indústria têxtil. Acredito que lançar ainda mais luz sobre o problema, como acontecerá a partir da sanção do projeto, deverá reforçar essa constatação – e não causar confusão. Aumentar a transparência e a responsabilidade nesse caso, fazendo com que as empresas se ocupem de saber como são feitos seus produtos, representa, a meu ver, uma contribuição inédita e importante.

Repórter Brasil: O projeto propõe a publicação do nome dos estabelecimentos - bem como o CNPJ, o endereço e o nome completo dos sócios - no Diário Oficial do Estado. Essa divulgação não entraria em conflito com o atual cadastro do governo federal , conhecido como “lista suja” do trabalho escravo, já que determinado nome incluído em um cadastro poderia não constar em outro?
CB: Não necessariamente. Para mim, essas divulgações não se excluem. A ‘lista suja’ é um grande avanço, uma conquista de todos os que militam pelos direitos humanos. É importantíssima. Por isso mesmo, vou trabalhar para que ambos os cadastros sejam fortalecidos e tenham uma relação importante de troca de informações, para que se completem. Uma vez aprovado pela Assembleia Legislativa, o projeto precisará ser sancionado pelo Governo do Estado de São Paulo, transformando-se em lei. Mas para que seja aplicado de fato, é preciso que seja regulamentado. É esse processo que vai definir como a lei será praticada. Nessa última etapa, é possível incluir, por exemplo, dispositivo que permita que esse cadastro integre a ‘lista suja’.

Repórter Brasil: O impedimento de pessoas físicas ou jurídicas de exercerem ou entrarem com novo pedido de inscrição de nova empresa, durante dez anos, no mesmo ramo de atividade econômica na qual foram cassadas, não pode ser considerado uma punição excessiva?
CB: Acredito que esse projeto de lei proponha uma mudança de cultura – daí o fato de ser uma legislação rígida. A questão do trabalho escravo é endêmica e precisa ser enfrentada seriamente. Nesse sentido, a proposta é pedagógica. E, pessoalmente, acredito que o momento exija medidas enérgicas. Você já andou pelas ruas do Bom Retiro? Já viu quantas oficinas de costura clandestinas há por lá? Acompanhou o agenciamento cruel de andinos, especialmente bolivianos, na Praça Kantuta, no centro expandido de São Paulo? Viu as condições desumanas a que esses imigrantes têm sido submetidos? Pois bem, com violação grave dos direitos humanos não se contemporiza. Acredito que, a partir desse projeto, novos movimentos na direção de uma maior responsabilidade por parte de fornecedores e de mais transparência em suas cadeias produtivas poderão ser iniciados. Com essa transparência no mercado, consumidores poderão escolher que tipo de produto comprarão, e aqueles que exploram mão de obra em condições de escravidão terão cada vez menos espaço e lucro. Se, depois desse momento, houver espaço para atenuantes, será uma feliz constatação.

Repórter Brasil: Qual é a importância de uma legislação estadual específica para coibir e auxiliar no combate ao trabalho escravo?CB: A construção dessa proposta, é importante que se diga, foi coletiva. Tem a participação de técnicos, especialistas, sindicatos, sociedade civil organizada e de diversas ONGs. O conceito da proposta surge da compreensão de que quem se utiliza de trabalho escravo não tem outro objetivo que não o do lucro a qualquer custo. Então, para enfrentar esse crime, é preciso gerar prejuízo a quem o pratica. Esse é conceito do projeto. Não sou contra o lucro. Sei que grandes empresas geram empregos, movimentam recursos, aquecem a economia. E quero que São Paulo acolha novas multinacionais e transnacionais. Porém, essa é uma iniciativa progressista e pioneira, que fará de São Paulo um exemplo de Estado onde o lucro não está acima dos direitos humanos.

Fonte: Repórter Brasil via Vermelho

Frei Betto: Trabalho escravo, quando acaba?


Em janeiro de 2004, três auditores fiscais do trabalho e um motorista foram assassinados em Unaí (MG) ao investigarem trabalho escravo em uma lavoura de feijão. Em janeiro próximo se completam 9 anos de impunidade. Até agora ninguém foi condenado pela chacina que tirou as vidas dos auditores Eratóstenes de Almeida Gonçalves, João Batista Soares Lage, Nelson José da Silva, e do motorista Ailton Pereira da Silva.

Por: Frei Betto*, em Adital


O Brasil possui uma eficiente fiscalização do trabalho degradante. O Grupo Móvel atua desde 1995 e, a partir de 2003, já libertou mais de 35 mil trabalhadores, segundo dados da CPT (Comissão Pastoral da Terra).

Há obstáculos permanentes a enfrentar, como aponta meu confrade Xavier Plassat (Prêmio Nacional de Direitos Humanos 2008), como a burocracia que atrasa a apuração de denúncias; dificuldades operacionais para agilizar a Polícia Federal, que atua como polícia judiciária; resistência de algumas superintendências regionais a fiscalizações efetivas.

A fiscalização, entretanto, tem melhorado. Apenas 1/3 das denúncias continua sem investigação. Isso não significa que libertar trabalhadores faz cessar a escravidão. Ela deita raízes profundas no solo brasileiro: tivemos o mais longo período de escravidão nas Américas, 358 anos (1530-1888) e, hoje, a ganância, a miséria e a impunidade favorecem esse crime hediondo.

A escravidão não ocorre apenas em áreas rurais. Expande-se aos grandes centros urbanos, como em confecções de São Paulo, que exploram a mão de obra de imigrantes bolivianos e asiáticos.

Em 2010, 242 pessoas foram libertadas de situações análogas à escravidão em atividades não agrícolas, como construção civil (175 em obras do PAC!). Na zona rural, 2/3 dos casos, entre 2003 e 2010, ocorreram na pecuária (desmatamento, abertura e manutenção do pasto); 17% em lavouras de cana de açúcar, soja, algodão, milho, café, e reflorestamento; e 10% em carvoarias a serviço de siderurgias.

A maioria dos libertados trabalhava na pecuária e no corte de cana, sobretudo na região amazônica, principalmente nos estado do Pará, Tocantins, Maranhão e Mato Grosso, onde se destaca a voz profética do bispo Dom Pedro Casaldáliga, ainda hoje, aos 84 anos, ameaçado de morte por defender os oprimidos (Prêmio Nacional de Direitos Humanos 2012).

Por que trabalho escravo em pleno século 21? O lucro! E quando flagrado, o proprietário finge não saber o que ocorria em suas terras e culpa o capataz. Fazendeiros, parlamentares, magistrados, artistas de TV, figuram entre proprietários rurais que adotam trabalho braçal de baixo custo em condições subumanas – o trabalho escravo.

Daí a dificuldade de a Câmara dos Deputados aprovar, após espera de 8 anos, a emenda constitucional que propõe cancelar a propriedade da terra de quem adota mão de obra escrava. Felizmente, a PEC 438 foi aprovada em maio deste ano e, agora, aguarda aprovação do Senado.

Hoje, o proprietário rural não é mais dono do servo, nem responsável por sua manutenção e reprodução de sua prole, como acontecia no Brasil colonial. Ele usa e abusa da mão de obra escrava, arregimentada sob promessas enganosas, e a descarta três ou quatro meses depois. Carvoeiros, roçadores de pasto e cortadores de cana têm, em pleno século 21, expectativa de vida inferior aos escravos do século 19.

O trabalho escravo está presente nas principais cadeias produtivas do agronegócio brasileiro: carne e madeira (metade das denúncias); cana e demais lavouras (metade dos libertados), e carvão vegetal.

Há uma estreita vinculação entre expansão do agronegócio no contexto da economia globocolonizada e a precarização das relações trabalhistas. Eis a contradição, alerta frei Xavier Plassat: o mesmo governo que estimula as monoculturas de exportação corre atrás dos enormes prejuízos que ela provoca, inclusive à imagem do Brasil no exterior.

A OIT (Organização Internacional do Trabalho) calcula que, atualmente, haja no mundo de 12 a 27 milhões de trabalhadores escravos. No Brasil, estima-se em 25 mil o número de pessoas submetidas a condições degradantes de trabalho, inclusive crianças.

É hora de as centrais sindicais descruzarem os braços quanto a essa nódoa do cenário brasileiro.

*Frei Betto é escritor, autor de "Cartas da prisão” (Agir), entre outros livros.

Fiscalização resgata 17 trabalhadores de condições degradantes


Auditores fiscais do Ministério do Trabalho (MTE) resgataram 17 operários submetidos a condições degradantes, no Mato Grosso do Sul. O grupo de trabalhadores, entre os quais dois menores de 16 anos, atuava em obras da construção civil na periferia do município de Dourados. Durante a ação fiscal foram lavrados 12 autos de infração. Com a regularização da situação trabalhista os resgatados receberam um montante de R$67.758,64 em verbas rescisórias.


Trabalho degradante
 Camas nas áreas externas do alojamento e próximas a sacos de cimento
Durante a ação ocorrida entre os dias 7 e 17 de dezembro, foram verificadas precárias condições de conservação e falta de higiene nos cômodos da casa onde estavam alojados os trabalhadores, levando à interdição do local que dispunha de apenas um banheiro para servir as 17 pessoas. 

Segundo a representante da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego no Mato Grosso do Sul (SRTE/MS), Auzenir de Jesus Caetano, no alojamento havia apenas três camas de tábuas, cobertas com colchões em péssimo estado de conservação, colocadas ao lado depósito de um lixo e junto de uma pilha de sacos de cimento. 

No local também não havia paredes, fator que colocava os trabalhadores à mercê de intempéries como sol e chuva. Na cozinha, os mantimentos estavam guardados próximos ao banheiro, cuja porta estava desmontada. A ventilação do cômodo vinha de uma pequena janela, sendo insuficiente para arejar o local que abrigava ainda um botijão de gás. 

Com informações do MTE via Vermelho

Mais de um terço na "lista suja" da escravidão são pecuaristas


Atualização do cadastro de flagrados explorando trabalho escravo reflete graves violações aos direitos humanos em algumas das principais atividades da economia brasileira.




Alojamento de estrutura frágil onde trabalhadores dormiam amontoados em redes em Gilrassic Park, onde animais eram bem alimentados e pessoas viviam situação em alojamento e com alimentação precária / foto: Ministério do Trabalho)

A criação de bovinos é a atividade econômica com mais inclusões na atualização feita nesta sexta-feira, 28, da chamada "lista suja", a relação de empregadores flagrados explorando escravos, mantida pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e pela Secretaria Especial de Direitos Humanos. Dos 56 nomes incluídos no cadastro, a pecuária bovina soma um total de 20 novas entradas. Em outras palavras, 35,7%, mais de um terço dos incluídos, são pecuaristas. A maioria, como é possível conferir no mapa abaixo, desenvolve atividades em áreas de desmatamento na Amazônia (clique na imagem para navegar no mapa e nos ícones para conferir a atividade e quantidade de trabalhadores libertados em cada uma das fiscalizações que resultaram nas inclusões desta última atualização). 

A constatação reforça a relação entre exploração de escravos e desmatamento. A expansão da pecuária em áreas de floresta amazônica é uma tendência. Em outubro, relatório apresentado pela Comissão Pastoral da Terra sobre as libertações feitas até então já apontava a ligação entre a abertura e manutenção de pastos em áreas isoladas e a exploração de pessoas. 

São casos como o de Marcos Nogueira Dias, reincidente na redução de pessoas à condição de escravos. Conhecido como Marcão do Boi, o fazendeiro foi incluído na relação na primeira vez em 2005, quando o grupo móvel, sob coordenação do auditor fiscal Paulo César, libertou 43 trabalhadores da fazenda São Marcos, em Abel Figueiredo (PA). Agora, nesta segunda vez, a inclusão é resultado de flagrante de 2008 em que 11 pessoas foram libertadas na Fazenda Pau Terra, localizada em Rondon do Pará (PA). A propriedade acabou ocupada em 2009 por agricultores sem-terra da Federação dos Trabalhadores da Agricultura Familiar no Estado do Pará (FETRAF), organização ligada à CUT. O grupo defendia que a área fosse desapropriada para reforma agrária. Na ocasião, o sem-terra Saturnino Pereira da Silva foi assassinado, crime pelo qual o fazendeiro e seu filho, José Dias Costa Neto, o Zezinho, foram apontados como mandantes pela Polícia Civil do Pará, segundo informações publicadas pelo jornal O Liberal na época. Eles responderam em liberdade pelas acusações, após um salvo habeas corpus pela Justiça. 

Dono do Gilrassic Park na "lista suja"
Entre os incluídos na "lista suja" está o pecuarista maranhense Francisco Gil Alencar, que mantinha ao lado de sua fazenda um pequeno zoológico chamado “Gilrassic Park”, com 900 animais de pelo menos 100 espécies diferentes e raras. De acordo com o MTE, ele mantinha 12 pessoas trabalhavando em condições degradantes, preparando a pastagem dos bois. Para o Ministério Público do Trabalho (MPT), que também acompanhou a ocorrência, o contraste entre o tratamento dado aos animais e aos empregados, incluindo a alimentação, era tão grave que a Procuradoria Regional do Trabalho da 16ª região (PRT-16) entrou com um Ação Civil Pública (ACP) postulando indenizações morais de R$3 milhões. Ainda em trâmite na Justiça, o processo teve uma liminar concedida recentemente que pede o bloqueio de 14 bens do fazendeiro.

Outro reincidente é Adolfo Rodrigues Borges. Flagrado pela primeira vez explorando 28 pessoas em abril de 2004, ele foi incluído na “lista suja” durante a atualização do fim do segundo semestre de 2005. Em março de 2006, conseguiu sair do cadastro por meio de uma liminar na Justiça. O grupo móvel de fiscalização do MTE, porém, flagrou condições degradantes na mesma propriedade de Adolfo Rodrigues, a Fazenda Dom Bosco em Aragominas (TO), em fevereiro de 2009. O fazendeiro foi incluído nesta atualização devido a esta fiscalização.

Tárcio Juliano de Souza e Selson Alves Neto também são reincidentes. Eles haviam sido incluídos na lista em atualizações anteriores e agora passam a ter dois registros no cadastro. Já Antônio Carlos Françolin, que havia saído na atualização de julho deste ano "após ter cumprido dois anos de permanência na relação", volta em função da conclusão do processo administrativo relativo a outro flagrante de escravidão - antes de serem incluídos, todos os envolvidos têm chance de defesa e de apresentar recursos. A reincidência tem sido tão constante que Alexandre Lyra, chefe da Divisão de Fiscalização para Erradicação do Trabalho Escravo, defende mudanças nas regras do cadastro. "O ideal seria que os reicidentes ficassem mais tempo na relação e sofressem punições mais severas. Temos encontrado muitos casos como estes", diz.

Também entra nesta atualização Coracy Machado Kern, proprietária da Fazenda São Judas Tadeu, em São Félix do Xingu (PA), onde cinco pessoas foram resgatadas da escravidão, e da Fazenda Vida Nova, em Ourilândia de Norte (PA). Ela também é dono do Hotel Natal Dunnas, estabelecimento turístico classificado com três estrelas na Praia de Ponta Negra, em Natal (RN), e, na época da libertação, tinha aproximadamente sete mil cabeças de gado. 

Carvão, desmatamento, cana e soja
Depois da pecuária, é a produção de carvão que puxa as inclusões da lista. Na sequência, foram 7 inserções no carvão, 6 na silvicultura, 4 no extrativismo vegetal com atividades ligadas ao desmatamento, 3 na cultura de cana-de-açúcar e 3 na cultura de soja. No carvão, chama a atenção o número de casos no centro-oeste e a gravidade das situações em que os trabalhadores foram resgatados.

Em Gouvelândia (GO), no caso que resultou na inclusão de Edilson Lopes de Araújo e Renato Sergio de Moura Henrique, foram encontrados adolescentes sendo explorados. Parte das vítimas resgatadas nasceu e passou mais de 30 anos enfrentando um quadro de servidão por dívidas, condições degradantes e outras precariedades em olarias. Geraldo Otaviano Mendes, reincidente, também explorava trabalhadores com menos de 18 anos, em seus fornos em Conceição do Tocantins (TO). Em Itajá (GO), 19 trabalhadores foram resgatados, muitos deles em condições absurdas, completamente cobertos de fuligem, sem equipamentos de proteção.

Também em Goiás, trabalhadores de lavouras de soja, café e milho dormiam com ratos e morcegos. Alojamentos improvisados em condições degradantes, instalações sanitárias precárias ou inexistentes, e, por vezes, a falta de acesso à água potável têm sido comuns em fiscalizações do MTE nos últimos anos.

A falta de cuidado dos empregadores em relação à saúde dos empregados também chama atenção. Não são poucos os casos recentes de trabalhadores explorados sujeitos a situações de riscos. Na libertação que resultou na inclusão de Antônio Roberto Garretti, por exemplo, 5 pessoas, incluindo um adolescente, estavam alojados em um galpão de armazenamento de agrotóxicos. 

Fronteiras agrícolas
Os casos se espalham por todo o país, mas as regiões de expansão de fronteira agrícola concentram violações de direitos humanos. Além do aumento do número de inclusões no centro-oeste, capitaneado pelos 13 casos em Goiás e pelos oito no Mato Grosso, também chamam a atenção os registros na região norte. No Pará foram sete libertações e no Amazonas cinco. No mapa das inclusões organizado pela Repórter Brasil é possível constatar onde estão tais flagrantes, uma linha que, em muitos casos, é a mesma do assim chamado arco de fogo do desmatamento. Trata-se da derrubada de florestas no norte do Mato Grosso, na Amazônia, no Pará e em Rondônia que avança sobre a Floresta Amazônica. 

Uma linha que, como já indicado, tem a ver com o avanço da pecuária extensiva, mas também com outras atividades. Há casos pontuais que merecem atenção, como o da libertação no Amazonas, em 2011, de quatro trabalhadores chineses da CIFEC Compensados da Amazônia Ltda. Eles vieram ao Brasil com promessas de bons salários, mas sofriam restrição de liberdade, acumulavam dívidas com o empregador e estavam alojados em condições degradantes, conforme denunciado na época em reportagem do jornal Folha de S. Paulo. 

Por fim, assim como nas últimas atualizações, aconteceram também inclusões relacionadas à exploração de trabalho escravo urbano. O caso mais emblemático de violações de direitos humanos talvez seja o de Cleiva Alves da Silva, proprietária da casa noturna Boate Star Nigh, onde 20 mulheres, que, segundo o Ministério do Trabalho e Emprego, eram exploradas sexualmente, tinham que ficar 24 horas à disposição de clientes.

Junto de mais quatro empregados do local, elas eram obrigadas a cumprir jornadas exaustivas, sistematicamente em condições degradantes, o que configura trabalho escravo contemporâneo. Os salários eram pagos com "fichas", trocadas por cigarros, bebidas ou alimentos.

Clique aqui para conferir mapa com a localização de todos os flagrantes

Fonte: Repórter Brasil via Vermelho

sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

Morre vítima de estupro coletivo na Índia



Pessoas aguardavam informações sobre o estado de saúde da víima no hospital Mount Elizabeth, na noite desta sexta (28) (Foto: AFP)
Estudante de medicina de 23 anos foi estuprada por quase uma hora. Caso chocou o país e gerou protestos.
Morreu nesta sexta-feira a indiana vítima de um estupro coletivo que chocou o país, ocorrido em 16 de dezembro, informou o hospital onde a jovem estava internada em Cingapura, segundo a agência Reuters. “Ficamos tristes em informar que a jovem morreu às 4h45 [horário local]. Sua família e autoridades indianas estavam ao seu lado”, disse em um comunicado Kelvin Loh, diretor-executivo do hospital Mount Elizabeth, para onde a jovem foi levada de helicóptero da Índia.
A situação da jovem havia sido descrita mais cedo pelos médicos de Cingapura como “lutando contra as probabilidades, e lutando por sua vida”, depois de ter sido diagnosticada com uma infecção pulmonar e lesões cerebrais, além do registro de uma parada cardíaca.
Ela também havia sido diagnosticada com graves lesões intestinais, resultado do espancamento com uma barra de ferro durante o ataque na capital indiana. A estudante de medicina de 23 anos foi estuprada por quase uma hora e joga de um ônibus em movimento na capital Nova Déli.
O ataque gerou protestos pela Índia, com embates entre manifestantes e a polícia durante marcha pela segurança das mulheres. “Apesar de todos os esforços da equipe de oito especialistas do hospital Mount Elizabeth para mantê-la estável, sua condição continuou a piorar nesses dois últimos dias. Ela sofreu insuficiência severa de órgãos após os graves danos ao seu corpo e cérebro”, disse o diretor. “Ela foi corajosa em sua luta pela vida por tanto tempo, mas o trauma sentido pelo seu corpo foi severo demais para superar”, acrescentou.
Fonte: G1

Entra em vigor cooperação técnica entre o Brasil e a Palestina


Entrou em vigor nesta quinta-feira (27) o acordo de cooperação técnica entre o Brasil e a Palestina, de acordo com decreto publicado no Diário Oficial da União. O acordo foi assinado em 17 de março de 2010 em Ramalah, na Palestina, e desde então tramita no Congresso Nacional. O objetivo é fortalecer os laços entre os dois povos, por meio de colaboração e políticas correlatas.


Palestina

O documento dará continuidade a ações já iniciadas de urbanização e de comunicação pública, além de possibilitar a cooperação em outras áreas, como agropecuária, saúde, esportes e educação. A parceria poderá envolver instituições públicas e privadas, além de organizações não governamentais dos dois povos. O texto prevê também parcerias com outros países, organizações internacionais e agências regionais.

O acordo prevê ainda a emissão de vistos para o pessoal designado, a isenção de taxas aduaneiras na importação de objetos pessoais, aplicação de mecanismos para evitar a bitributação das remunerações e facilidade de repatriação em situações de crise.

Nos últimos anos, o Brasil vem intensificando seu relacionamento com a Palestina. Em 2004, foi aberto um escritório de representação em Ramalah. O presidente Mahmoud Abbas veio ao Brasil em duas ocasiões e o ex-presidente Lula esteve nos territórios palestinos ocupados em março de 2010. Desde então, o governo brasileiro apoia a criação de um Estado independente e autônomo da Palestina.

O Brasil tem prestado apoio material à Palestina. Desde 2006, participa de conferências internacionais para discutir soluções para o conflito no Oriente Médio. Em 2012, o governo brasileiro comemorou a aprovação da resolução que concedeu status de Estado observador à Palestina na Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU).

Fonte: Agência Brasil via Vermelho

Colômbia: Farc e governo iniciam diálogo pela paz


Após quase 50 anos de conflito armado envolvendo a guerrilha mais antiga das Américas, a Colômbia pode estar perto da paz. As Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) e o governo de Juan Manuel Santos instauraram, no dia 18 de outubro, a Mesa de Diálogo para “conquistar uma paz democrática e justa”.


Farc
Diálogos de paz tiveram início em outubro
Como garantia de que este processo não terá o mesmo desfecho que o massacre de Caguán, Noruega, Cuba, Chile e Venezuela atuam como intermediadores das conversas. “Confiamos nos diálogos de Caguán e quando as conversas terminaram o inimigo, que havia se preparado para a guerra, investiu com muita força”, declarou o líder guerrilheiro e um dos fundadores das Farc, Miguel Angel Pascuas, em entrevista concedida ao portal Rebelión.

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Em abril, a guerrilha anunciou o fim da prática de sequestros e, com a ajuda do Brasil, libertou, unilateralmente, os últimos dez militares que estavam em seu poder. A medida não foi acompanhada de nenhuma sinalização do governo em ceder com relação às agressões. Ao contrário, o presidente Juan Manuel Santos intensificou as ações contra as Farc.

Em outubro, o mandatário colombiano revelou que há seis meses mantinha conversações com a guerrilha para chegar a um acordo e negociar a saída pacífica. A medida foi duramente criticada pelo ex-presidente colombiano Álvaro Uribe, que rompeu com Santos e chegou a declarar que a negociação era um “duro golpe à democracia”. A visão não é compartilhada pela sociedade colombiana: 80% da população apoiam o processo.

O diálogo teve início em Oslo, na Noruega, quando foram definidos os termos e a agenda das negociações. O primeiro ponto a ser tratado é a questão do desenvolvimento agrário. Desde o dia 15 de novembro, em Havana, Cuba, as partes discutem as soluções para a correção da desigualdade da posse da terra colombiana.

O que se coloca agora é a necessidade de envolver a população nos debates travados. A guerrilha defende a participação popular e foi criado um site, com o objetivo de receber as contribuições da sociedade no processo que não tem data para terminar. Apesar disso, o presidente colombiano afirmou que, “se houver vontade, poderemos celebrar o próximo Natal [2013] em paz e com o conflito concluído”.

Da Redação do Vermelho

Vale-cultura é sancionado; deputadas comemoram vitória


Em cerimônia no Palácio do Planalto, na tarde desta quinta-feira (27), a presidenta Dilma Rousseff sanciona a Lei do Vale-Cultura. A deputada Manuela D' Ávila (PCdoB-RS) , autora do projeto aprovado pelo Congresso, diz ter “muito orgulho de ter contribuído com a construção dessa lei”. A deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ), coordenadora da Frente Parlamentar Mista em Defesa da Cultura, diz que o vale será mais um instrumento na democratização do acesso à cultura”.


O Vale-Cultura é um benefício de R$50,00 mensais para o trabalhador que tenha seus direitos regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e que ganhe até cinco salários mínimos. A estimativa é que beneficie aproximadamente 17 milhões de trabalhadores no Brasil.

De acordo com Jandira, “o Vale-Cultura é mais um passo na ampliação do acesso aos bens e produtos culturais para o brasileiro. Assistir um show, espetáculo de teatro ou comprar um livro será mais fácil com essa renda extra no orçamento”, explica a parlamentar.

Segundo a deputada Manuela d´Ávila, quando as empresas ofertarem o benefício, os trabalhadores serão naturalmente estimulados a usarem o recurso em cultura. “Famílias muitas vezes não se interessam por produtos culturais por causa da baixa renda”, avalia a parlamentar. 

O vale-cultura será disponibilizado, preferencialmente, em meio magnético, não podendo ser trocado por dinheiro, mas usado para comprar serviços e produtos culturais. Dessa forma, pessoas que nunca teriam acesso à cultura poderão ir ao teatro e cinema, por exemplo.

“Isso ajudará no desenvolvimento humano, estimulando até mesmo a melhoria da educação dos beneficiados. As empresas estarão sujeitas a penalidades, caso executem inadequadamente as regras do programa”, alerta a deputada.

O texto sancionado pela presidenta Dilma Rousseff foi aprovado no último dia 21 de novembro na Câmara dos Deputados e depois passou pela aprovação no Senado, ocorrida em 5 de dezembro. A partir da sanção, abre-se prazo de 180 dias para regulamentação da nova lei.

No segundo semestre de 2013, o Vale-Cultura já deverá estar em uso para aquisição de produtos culturais e poderá ser usado para acessar serviços e produtos culturais nas áreas de artes visuais, artes cênicas, audiovisual, literatura, humanidades e informação, música e patrimônio cultural.

Da redação em Brasília via Vermelho

Não pode adotar? Ajude animais abandonados de outra maneira


Muitos animais são abandonados diariamente e apesar de terem a compaixão de outras tantas pessoas, adotar um cão ou gato não é uma tarefa fácil. Assim como um filho, é preciso se planejar e ter condições mínimas para criá-lo. Eles também precisam ser vacinados e alguns necessitam de cuidados especiais.

Enfim, além de todo o carinho é preciso arcar com as consequências de uma adoção. Mas, mesmo aqueles que não podem manter um bichinho em casa, podem ajudar de outras formas. Veja como:

Doe ração, acessórios e remédios veterinários


As ONG’s sempre precisam destes itens para alimentar e cuidar dos bichinhos. Como nem sempre a ajuda é suficiente, criar o hábito de fazer doações destes produtos e incentivar outras pessoas a fazerem o mesmo é uma ótima forma de ajudar.

Acessórios, comocoleiras (mesmo que usadas), roupinhas e cobertores também ajudam muito. Remédios só são aceitos se, logicamente, estiverem dentro do prazo de validade.


Ajude com dinheiro

Para quem não tem nada em casa para doar, nem tem ideia do que a instituição precisa, uma opção é reservar uma quantia de dinheiro, mesmo que pequena, para um depósito bancário a uma ONG’s de confiança. Elas certamente farão bom uso do dinheiro, mas se tiver dúvidas acompanhe o trabalho da instituição.


Divulgue nas redes sociais


Nem todos podem ajudar financeiramente, porém a divulgação via redes sociais é algo bastante acessível. A internet é uma ferramenta poderosa para encontrar lares para os animais, por exemplo. Em apenas um clique no Facebook, você compartilha a imagem de um bichinho e já faz a sua boa ação do dia.


Seja um dono provisório

Diversas ONGs precisam de lares temporários. Isso acontece quanto há superlotação nas unidades. A solução encontrada por tais instituições foi cadastrar “donos temporários”. O interessado se inscreve no site, passa por entrevistas e vistorias e assim mostra que tem condições de cuidar do animal por um tempo limitado. Em alguns casos, os donos acabam se apegando tanto ao bichinho que os adota definitivamente.


Divulgue notícias de maus tratos e de animais perdidos


Divulgar as fotos de crimes de maus tratos funciona. Prova disso, é o caso da enfermeira que agrediu um cãozinho da raça Yorkshire até a morte. O vídeo teve tantos acessos que chegou às autoridades e a agressora foi punida. Outra situação comum é aparecer na timeline do Facebook imagens de animais perdidos. Neste caso, compartilhar para seus amigos a foto também pode ajudar, pois quanto mais a informação se espalha mais chances têm chances de chegar a alguém que viu o animal perdido. Ajude também assinando petições contra abusos.


Socorra animais doentes na rua


Assim como seres humanos, os animais também precisam que prestem socorros. Eles são ainda mais dependentes de cuidados humanos. Em breve, São Paulo terá um Hospital veterinário público, mas enquanto isso não acontece há outras de maneiras de ajudá-los: leve-o ao hospital, sendo um animal de rua é provável que cobrem menos. Depois espalhe cartazes divulgando que encontrou o animal, se o dono não aparecer, procure uma ONG ou doe a um amigo interessado.
* Com informações do CicloVivo via Uol - http://consumidormoderno.uol.com.br

quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

As causas reais das políticas de austeridade


charge Concentração de renda

As políticas de austeridade levadas a cabo pelos estados estimularam uma enorme concentração dos rendimentos. As elites econômicas aumentaram os seus lucros à custa do bem estar da maioria das populações, exemplo claro no caso de Espanha. Essas políticas têm como objetivo beneficiar os interesses do capital financeiro ao privatizar as transferências públicas e os serviços públicos do Estado. 


Por Vincenç Navarro (*)


Este artigo identifica as causas que originaram a crise econômica e financeira atual nos dois lados do Atlântico, causas enraizadas nas políticas levadas a cabo pelos Estados que estimularam uma enorme concentração dos rendimentos, criando um enorme problema de procura de bens e serviços, por um lado, e um capitalismo baseado na especulação, por outro. 

O artigo assinala que, em consequência disso, as elites financeiras e econômicas aumentaram os seus lucros à custa do bem estar da maioria das populações, exemplo claro no caso de Espanha. As políticas de austeridade têm como objetivo beneficiar os interesses do capital financeiro ao privatizar as transferências públicas e os serviços públicos do Estado, a fim de facilitar a intervenção de capital financeiro nestes setores e debilitar a proteção social e com isso a classe trabalhadora e as classes médias.

Num artigo recente, indiquei que as medidas que se estão a tomar para racionalizar o sistema financeiro na União Europeia não estão a ter um impacto na resolução da Grande Recessão que a União Europeia está a provar. Segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI), a economia espanhola descerá 1,5% do PIB, a italiana 2,3%, a portuguesa 3%, a grega 5,2%, a britânica 0,6%, a alemã 0,9% e a francesa 0,1%. Para a média da União Europeia, as previsões de crescimento econômico são nulas, como assinala a Comissão Europeia.

Na realidade, calcula-se que a descida da economia europeia seja de 0,4% do seu PIB. Um mal presente e um futuro pior. As reformas financeiras parecem não estar a melhorar a situação. Antes pelo contrário, muitas das medidas que se estão a tomar para melhorar o sistema financeiro, estão a piorar, em vez de melhorar, a situação econômica. O ênfase do Banco Central Europeu (BCE) e da Comissão Europeia em continuar as políticas de austeridade é um claro exemplo disso. Argumenta-se que a disciplina fiscal (reduzir o déficit público dos Estados) é a chave para recuperar a confiança dos mercados financeiros. Daí que, e como consequência, se fazem mais e mais cortes nas transferências e nos serviços públicos do Estado.

A maioria dos trabalhos científicos credíveis mostram o profundo erro dessas políticas. Na realidade, estas políticas de austeridade são responsáveis para que se vá caindo mais e mais nesta Grande Recessão. E a causa de que isto seja assim não é nada difícil de entender. A grande descida dos rendimentos do trabalho na maioria dos países do mundo ocidental (e muito em especial na América do Norte e na Europa ocidental) criou um enorme problema de escassez de procura, que ainda quando foi paliada, em parte, devido ao enorme endividamento da população (endividamento que beneficiou a banca), chegou a um limite que paralisou o crescimento econômico. Mas a diminuição dos rendimentos do trabalho foi feita à custa do enorme crescimento dos rendimentos do capital e da sua concentração em sectores enormemente minoritários da população (o famoso 1% do movimento Occupy Wall Street). 

Encontramo-nos assim com o aparente paradoxo que vemos: um enorme crescimento da quantidade de dinheiro existente nas mãos de uns poucos, uma grande escassez de dinheiro para que a maioria da população possa pagar os bens e serviços de que necessita para manter o seu nível de vida. Na realidade, a pobreza está a alcançar dimensões epidêmicas, atingindo grupos e classes sociais que se tinham sempre considerado imunes à tal escassez de recursos.

O que deveria ser feito e não se faz
Pareceria que o mais lógico seria repartir a enorme concentração de dinheiro e se transferisse para a população, em geral, permitindo-lhe comprar e atender às suas necessidades, recuperando assim a economia. 

A solução para esta recessão é extraordinariamente fácil de desenhar, se o conhecimento científico fosse o que motivara as decisões políticas. De novo, toda a evidência científica credível existente assinala que a concentração dos rendimentos está a dificultar a resolução da crise. E a forma de corrigir essa concentração é a redistribuição desse dinheiro. Só nos EUA, o dinheiro acumulado (pela elite econômica) durante estes anos de crise é de 2 trilhões de dólares. Não há, pois, falta de dinheiro. A sua redistribuição para as classes populares resolveria rapidamente o problema da falta de procura nos EUA.

Que isso não se faça, deve-se ao enorme poder que tem 1% da população em cada país e das alianças que se estabelecem entre eles em vários países. Os argumentos que constantemente se dão, inclusivamente por autores de esquerda, para explicar porque não se faz essa redistribuição e se estimule a procura, é que os economistas que dirigem ou aconselham estas políticas de austeridade são incompetentes ou ignorantes, argumentos que não são credíveis. Outro argumento que se utilizou é que esses economistas estão imbuídos de uma ideologia, a ideologia neoliberal que praticam e promovem com uma fé falhada de base empírica que a sustente. Mas esse argumento ignora que a fé sempre se reproduz porque beneficia os que a promovem e a sustentam. Há interesses muito poderosos – para os quais esses economistas trabalham - que apoiam austeridade. Um deles é o capital financeiro, pois a expansão econômica, que resultaria das políticas redistributivas, afetaria a inflação.

O inimigo número um da banca é sempre a inflação. Se o leitor tiver 100 euros e a inflação anual for de 10%, no final do ano, a sua nota de 100 euros tem unicamente um valor de 90 euros em comparação com o valor inicial. E a banca tem trilhões de euros. Isso significa que ligeiras variações da inflação podem ter impactos sumamente negativos para o capital financeiro. Daí que as políticas de austeridade que estão a ser impostas na Eurozona (e utilizo a expressão impostas, porque em nenhum dos países onde essas políticas estão a ser levadas a cabo, constavam dos programas eleitorais dos partidos governantes), e que estão a destruir o bem-estar da maioria da população, tenham sido escolhidas pelo sistema de governo do euro (o Banco Central Europeu e também a Comissão Europeia), enormemente influenciado pelo capital financeiro europeu (e, muito em especial, o alemão). Estas políticas tiveram muito êxito para esse capital financeiro. A inflação média da Eurozona foi cerca de 2% por ano: o objetivo que se desenhou quando se estabeleceu o euro (em novembro foi 2,2%).

Outras causas das políticas de austeridade
Mas existe outra razão pela qual continuam as políticas de austeridade. É que a enorme quantidade de dinheiro que está a ser utilizada, por parte da banca, em práticas especulativas, tem também os seus elevados riscos, como a banca bem o sabe. Daí o seu desejo de procurar novas áreas de investimento, que não sejam especulativas, tais como a Segurança Social e os serviços públicos do Estado. São necessárias, pois, medidas de austeridade que empobreçam as transferências públicas (como as pensões) e os serviços (como a saúde ou a educação), e que estimulem a sua privatização. Isso oferece novas possibilidades para a banca e para as companhias de seguro de modo a conseguir amplos lucros em atividades menos arriscadas que as especulativas.

Esta é a explicação das medidas de austeridade. E se não acreditar, veja quem está a beneficiar com as privatizações da saúde na Catalunha, na Comunidade Autonômica de Madrid, onde essas políticas de privatização foram mais acentuadas. Entre muitos interesses financeiros, existem investimentos de alto risco, companhias de seguro, consultorias para capital financeiro e um longo etcetera. É a “americanização da saúde”. 

Quer dizer, a extensão do modelo de saúde norte-americano gerido pelas companhias financeiras com o afã de lucro, que determinaram o sistema de saúde mais caro, mais ineficiente e mais impopular dos sistemas de saúde existentes. Nos EUA o setor da saúde é um campo de expansão do capital financeiro. E este é o objetivo das políticas de austeridade na Europa (ver o meu livro “Medicine under Capitalism” para analisar as consequências deste sistema de financiamento da saúde).

Outra causa da persistência dessas políticas de austeridade é debilitar o mundo do trabalho e os sindicatos. O caso espanhol é claro. Pela primeira vez numa época democrática, os rendimentos do capital superam os rendimentos do trabalho. A enorme influência do capital financeiro junto do patronato e do poder político governante, faz e explica que, apesar da descida da procura e do escasso crescimento económico, os rendimentos do capital continuem a crescer, ajudados pelas políticas fiscais que garantem os seus amplos benefícios. A aliança do capital com o Estado garante a prioridade de umas políticas que, enquanto beneficiam uma minoria da população, destroem enormemente o bem-estar da maioria.

Não é só 1%
Quando escrevo uma minoria não me refiro só a 1%, tal como o movimento Occupy Wall Street faz referência. Este 1% (proprietários e controladores do grande capital) tem um poder decisivo e determinante. Na realidade, a sua percentagem sobre a população, tanto nos EUA, como em Espanha, é muito menor que 1%. Mas este grupo controla os meios que configuram o que um dos analistas mais agudos das sociedades capitalistas, Gramsci definiu como hegemonia ideológica, que inclui desde as escolas e academias até aos meios de informação e persuasão, e determina a sabedoria convencional do país, que inclusivamente hoje, depois de tanta dor e danos causados à população, continua a dominar: o neoliberalismo. 

Toda uma bateria de fundações, centros de estudos ou projetos de investigação são financiados pelo capital e muito, em particular, pelo capital financeiro. Os maiores bancos do país têm centros de estudos, organizam conferências, financiam jornais e revistas chamadas científicas, onde o dogma se reproduz e se promove através de amplas caixas de ressonância, meios radiofónicos e televisivos, ou imprensa escrita, por sua vez endividada e dócil para com esses poderes. Este 1% para poder mandar necessita do aparelho ideológico que o sustente. E daí que, apesar dos danos que tais políticas estão a causar, elas continuam a ser promovidas.

(*) Vicenç Navarro – Foi Catedrático de Economia Aplicada na Universidade de Barcelona e Professor de Políticas Públicas na Universidade Johns Hopkins (Baltimore, EUA). Dirige o Observatório Social de Espanha. 

(**) Artigo publicado originalmente na coluna "Domínio Público", na página publico.es.

Fonte: Carta Maior via Vermelho

Taxar os Ricos: um conto de fadas animado


"Taxar os ricos: um conto de fadas animado" é um vídeo de oito minutos sobre a crise econômica mundial. O vídeo mostra que as coisas vão para baixo numa terra feliz e próspera após os ricos decidirem que não querem pagar mais impostos. Dizem às pessoas que não há alternativa, mas as pessoas não têm assim tanta certeza. Esta terra tem uma semelhança surpreendente com a nossa terra. O vídeo foi escrito e dirigido por Fred Glass para a Federação de Professores da Califórnia.



Bancos contra povos: os bastidores de um jogo manipulado


Banco Central Europeu
  

O Banco Central Europeu e a Reserva Federal norte-americana se puseram ao serviço dos grandes bancos privados e não do interesse da população dos países. Quando os bancos foram confrontados com a ameaça de não conseguirem pagar as dívidas, o BCE recomeçou a comprar, em grandes quantidades, títulos de dívida pública grega, portuguesa, irlandesa, italiana e espanhola, para dar liquidez aos bancos. 


Por Eric Toussaint


O BCE e o Fed ao serviço dos grandes bancos privados
A atividade do Banco Central Europeu e do Fed (1)
Os bancos europeus entraram numa fase crítica a partir de junho de 2011. A situação era quase tão grave como após a falência do Lehman Brothers, em 15 de setembro de 2008. Muitos deles estavam à beira da asfixia, porque as suas enormes necessidades de financiamento a curto prazo (alguns bilhões de dólares) deixaram de ser satisfeitas pelos money market funds americanos, que consideravam que a situação dos bancos europeus era cada vez mais arriscada (2). 

Os bancos foram confrontados com a ameaça de não conseguirem pagar as dívidas. Foi então que o BCE, na sequência de uma cúpula europeia, que se realizou de urgência a 21 de julho de 2011 para fazer face a uma série de possíveis falências bancárias, recomeçou a comprar, em grandes quantidades, títulos de dívida pública grega, portuguesa, irlandesa, italiana e espanhola, para fornecer liquidez aos bancos e aliviar o peso de uma parte dos títulos que tinham comprado avidamente no período anterior. Mas não foi suficiente.

A derrocada do preço das ações dos bancos na bolsa continuava. Para os patrões dos bancos, agosto foi o mês de todos os perigos. A abertura pelo BCE, em setembro de 2011, de uma linha de crédito ilimitada, em concertação com o Fed, o Banco de Inglaterra e o Banco da Suíça, foi decisiva para manter à tona os bancos europeus: os bancos com falta de dólares e de euros foram colocados sob observação. Começaram a respirar outra vez, mas a medida foi insuficiente. A descida aos infernos continuava. 

Entre 1º de janeiro e 21 de outubro de 2011, a atividade da Société Générale caiu 52,8%, a do BNP Paribas, 33,3%, a do Deutsche Bank, 28,8%, a do Barclays, 30,5%, a do Credit Suisse, 36,7%. O BCE teve de utilizar a sua bazuca LTRO (Long Term Refinancing Operation): emprestou mais de um bilião de euros, a um prazo de três anos e a um juro de 1%, a mais de oitocentos bancos, entre dezembro de 2011 e fevereiro de 2012.

O Fed fez praticamente o mesmo, desde 2008, a uma taxa oficial ainda menor: 0,25%. Na verdade, como revelou, em julho de 2011, um relatório do GAO (equivalente nos Estados Unidos ao Tribunal de Contas), o Fed emprestou 16 trilhões de dólares a uma taxa de juro inferior a 0,25% (3). O relatório mostra que, ao agir desse modo, o Fed não respeitou as suas próprias regras prudenciais e não informou o Congresso sobre o sucedido. 

De acordo com uma comissão de inquérito do Congresso dos Estados Unidos, o conluio entre o Fed e os grandes bancos privados era evidente: «O diretor-geral do JP Morgan Chase era membro da Reserva Federal de Nova Iorque, na altura em que o “seu” banco recebia ajuda financeira do Fed, no valor de 390 mil milhões de dólares. Além disso, o JP Morgan Chase servia também de intermediário para o crédito de urgência concedido pelo Fed». (4) 

De acordo com Michel Rocard, ex-primeiro-ministro francês, e Pierre Larrouturou, economista, que se baseiam numa investigação realizada pela agência financeira nova-iorquina, Bloomberg, o Fed teria emprestado parte da quantia acima mencionada a um juro ínfimo: 0,01%. Michel Rocard e Pierre Larrouturou afirmam no jornal Le Monde: «Depois de ter desbravado 20.000 páginas de vários documentos, a Bloomberg mostra que a Reserva Federal emprestou secretamente a bancos em dificuldades a quantia de 1,2 trilhões, a juros incrivelmente baixos, de 0,01%» (5). 

Os autores perguntam: «É normal que, em caso de crise, os bancos privados, que habitualmente se financiam a juros de 1% junto dos bancos centrais, possam beneficiar de taxas de 0,01%, quando alguns estados em plena crise são obrigados a pagar juros 600 ou 800 vezes mais elevados?»

Os principais bancos europeus também tiveram acesso a empréstimos do Fed até ao início de 2011 (o Dexia recebeu 159 bilhões de dólares de empréstimos (6), o Barclays recebeu 868 bilhões de dólares, o Royal Bank of Scotland, 541 bilhões de dólares, o Deutsche Bank, 354 bilhões de dólares, o UBS, 287 bilhões de dólares, o Credit Suisse, 260 bilhões de dólares, o BNP Paribas, 175 bilhões de dólares, o Dresdner Bank, 135 bilhões de dólares, a Société Générale, 124 bilhões de dólares). O fato de o financiamento dos bancos europeus, via Fed, ter secado (nomeadamente sob pressão do Congresso norte-americano) foi uma das razões que levou também os money market funds norte-americanos a fecharem a torneira dos empréstimos aos bancos europeus, a partir de maio-junho de 2011.

Quais as consequências da entrega de 1 trilhão de euros aos bancos pelo BCE?

Em 2012, os bancos, a nadarem em liquidez, compraram, em grandes quantidades, títulos de dívida pública dos seus países. Vejamos o exemplo de Espanha. Os bancos espanhóis pediram emprestado ao BCE 300 bilhões de euros, a três anos, com um juro de 1%, no âmbito do LTRO (7). Com uma parte desse montante, aumentaram drasticamente as suas compras de dívida, emitida pelas autoridades espanholas. A evolução é impressionante: em finais de 2006, os bancos espanhóis detinham títulos públicos do seu país no valor de apenas 16 bilhões de euros. Em 2010, aumentam as compras de títulos públicos espanhóis. Detinham 63 bilhões.

Em 2011, a compra volta a aumentar. Os títulos espanhóis, na posse dos bancos, atingem o montante de 94 bilhões. E devido ao LTRO, as aquisições explodem literalmente. O montante duplica no prazo de alguns meses, alcançando os 184,5 bilhões de euros, em julho de 2012 (8). Convém dizer que se trata de uma operação muito rentável para os bancos. Pedindo emprestado a 1%, compram títulos espanhóis, a 10 anos, com juros que variam entre 5,5 e 7,6%, no segundo semestre de 2012.

Em seguida, vejamos o exemplo de Itália. Entre finais de dezembro de 2011 e março de 2012, os bancos italianos pedem emprestado ao BCE 255 bilhões de euros no âmbito do LTRO (9). Em finais de 2010, os bancos italianos detinham títulos públicos do seu país no valor de 208,3 bilhões de euros, mas o montante aumenta para 224,1 bilhões no final de 2011, poucos dias após o início do LTRO. Logo de seguida, utilizam a enorme quantidade de créditos que recebem do BCE para comprarem títulos italianos. Em setembro de 2012, os bancos detêm títulos italianos no valor de 341,4 bilhões de euros (10). Como no caso espanhol, trata-se de uma operação muito rentável: pedem emprestado a 1% e comprando títulos italianos a 10 anos conseguem um juro que varia entre 5 e 6,6% no segundo semestre de 2012.

O mesmo fenômeno aconteceu na maioria dos países da zona euro. Houve relocalização de uma parte dos ativos dos bancos europeus para os países de origem. Em concreto, constata-se em 2012, em cada país, um aumento significativo da fatia de dívida pública na posse de instituições financeiras desse mesmo país. Essa evolução tranquilizou os governos da zona euro, em especial os de Itália e de Espanha, porque descobriram que enfrentavam menos dificuldades vendendo aos bancos os títulos públicos que emitiam. O BCE parecia ter descoberto a solução – emprestando grandes quantias aos bancos privados, salvava-os de uma situação crítica e poupava alguns Estados a lançarem-se em novos planos de resgate bancário. O dinheiro emprestado aos bancos era, em parte, utilizado na compra de títulos de dívida pública de Estados da zona euro, o que fez parar a subida das taxas de juro dos países mais frágeis e até provocou uma diminuição das taxas de juro nalguns países.

É fácil de ver que, do ponto de vista do interesse da população dos países em questão, teria sido necessário adotar uma abordagem completamente diferente: o BCE deveria emprestar diretamente aos Estados a menos de 1% (como acontece com os bancos privados desde maio de 2012) ou mesmo sem juro. Dever-se-ia também socializar os bancos, sob controle cidadão.

Em vez disso, o BCE resolveu proteger os bancos privados, abrindo uma linha de crédito ilimitada, a taxas de juro muito baixas (entre 0,75 e 1%). Os bancos privados deram diferentes usos a esse maná de financiamento público. Como acabamos de ver, por um lado compraram títulos soberanos de países que, sob pressão dos próprios bancos, aceitaram pagar juros altos (entre 5 e 7,6%, a 10 anos), como aconteceu em Espanha e Itália. Por outro lado colocaram uma parte do crédito concedido pelo BCE... no BCE...! Entre 300 e 400 bilhões são depositados pelos bancos, todos os dias, no BCE, a uma taxa de 0,25%, no início de 2012, e a 0%, desde maio de 2012. E por que fazem isso? Porque querem mostrar aos outros banqueiros e aos outros prestadores privados de crédito (money market funds, fundos de pensões, companhias de seguros) que têm cash, em permanência, para fazerem face à explosão de bombas ao retardador que se encontram nas suas contas. Porque se não tivessem esse cash disponível, os potenciais credores afastar-se-iam ou imporiam taxas muito elevadas. Com o mesmo objetivo de tranquilizar os credores privados, compram também títulos soberanos de Estados que não representam risco a curto ou médio prazo: Alemanha, Holanda, França... Os bancos privados são a tal ponto sôfregos que esses Estados podem dar-se ao luxo de lhes vender títulos a dois anos, a uma taxa de 0% ou até mesmo com um rendimento ligeiramente negativo (sem ter em conta a inflação). 

Os juros pagos pela Alemanha e pelos outros países considerados financeiramente sólidos caíram significativamente, devido à política do BCE e ao agravamento da crise nos países da periferia. Houve uma fuga de capital da periferia europeia para o centro. Os títulos alemães são tão fiáveis, que, no caso de ser necessário cash, podem ser vendidos, de um dia para o outro, sem perdas. Os bancos adquirem-nos, não com o objetivo de ganharem dinheiro, mas para terem permanentemente, no BCE ou sob a forma de títulos com liquidez, quantidades de dinheiro disponíveis a fim de darem uma impressão (muitas vezes falsa) de solvência e de estarem prontos para qualquer eventualidade. Os bancos obtêm lucro emprestando a Espanha e a Itália e isso compensa as perdas que possam ter com os títulos alemães. É muito importante notar que os bancos não aumentaram os seus empréstimos a famílias e empresas, apesar de um dos objetivos oficiais dos empréstimos do BCE ser fazer crescer esses créditos para relançar a economia.

Qual o balanço a fazer da atividade do BCE na perspetiva das elites?

Coloquemo-nos, por um instante, no lugar do 1% mais rico, para avaliarmos a atividade do BCE. O discurso oficial considera que o BCE foi bem sucedido na transição do seu antigo presidente, o francês Jean-Claude Trichet, para o novo presidente, Mario Draghi (11), ex-governador do Banco de Itália e antigo vice-presidente da Goldman Sachs Europa. O BCE e os dirigentes dos principais países europeus conseguiram negociar uma redução da dívida grega, convencendo os bancos privados a aceitarem uma diminuição de cerca de 50% dos seus créditos e assegurando que o governo grego implementaria um novo plano radical de austeridade, que incluísse privatizações em massa, e que concordaria em abrir mão de boa parte da soberania do país. 

Desde março de 2012, os membros da Troika instalaram-se nos ministérios de Atenas para acompanharem de perto as contas do Estado. Os novos empréstimos concedidos à Grécia passam agora diretamente por uma conta controlada pelas autoridades europeias, que a podem, portanto, bloquear. Cereja no topo do bolo, os novos títulos de dívida grega deixaram de ser competência dos tribunais gregos. As novas obrigações emitidas ao abrigo desse programa são regidas por lei inglesa e os conflitos entre o governo grego e os credores privados são arbitrados no Luxemburgo (12).

Mas não é tudo: sob pressão do BCE e de dirigentes europeus, o governo Pasok, de George Papandreou, muito submisso, mas cada vez mais impopular, foi substituído por um governo não eleito de unidade nacional, Nova Democracia-Pasok, sendo os lugares-chave entregues a ministros provenientes da banca.

Pode-se completar o quadro com mais três boas notícias para o BCE e para os dirigentes europeus: 

1. Silvio Bersluconi foi forçado a demitir-se e foi substituído por um governo de técnicos, aparecendo à cabeça Mario Monti, antigo comissário europeu, muito próximo da banca e capaz de impor aos italianos um aprofundamento das políticas neoliberais (13). 

2. Na Espanha, o presidente do governo, Mariano Rajoy, do Partido Popular, há alguns meses no cargo, está também pronto a radicalizar as políticas neoliberais do seu antecessor, o socialista José Luis Zapatero. 

3. Os dirigentes europeus (14) chegaram a acordo sobre um pacto de estabilidade, que vai deixar para a posteridade a austeridade fiscal, a perda de soberania nacional por parte dos Estados-membros e uma dose extra de obediência à lógica do capital privado. 

Finalmente, o Mecanismo Europeu de Estabilidade (MEE) vai, em breve, ser acionado, permitindo ajudar mais os Estados e os bancos |15| nas próximas crises do setor bancário, que vão continuar a ocorrer, e dos Estados-Membros que lutam para se financiarem.

Os diferentes exemplos mostram que os líderes europeus, ao serviço do grande capital, conseguem marginalizar o poder legislativo, ignorando as escolhas das eleitoras e dos eleitores. Além disso, onde fica a democracia, quando as eleitoras e os eleitores que pretendem recusar em massa a austeridade já não têm oportunidade de expressar o seu voto, ou quando veem o seu sentido de voto ser anulado, porque a escolha dos eleitores não coincide com a dos governantes, como em 2005, em França e na Holanda, após o «não» ao Tratado Constitucional Europeu, como na Irlanda e em Portugal após as eleições de 2011 e como em França e na Holanda de novo, após as eleições de 2012. Tudo é feito para que a margem de manobra dos governos nacionais e dos poderes públicos seja limitada por um enquadramento europeu cada vez mais restritivo. Trata-se de uma tendência muito perigosa, a menos, é certo, que os governos, apoiados pela população, decidam desobedecer.

Se nos colocarmos, por um instante, na posição de Mario Draghi, dos principais dirigentes europeus e dos bancos, podemos concluir que, em março-abril de 2012, tinham motivos para sorrir. Tudo decorria como previsto.

Os entraves ao sucesso do BCE e dos governos europeus

As nuvens negras chegam depois. A situação complica-se, a partir de maio de 2012, quando o Bankia, o quarto banco espanhol, dirigido pelo ex-diretor-geral do FMI, Rodrigo de Rato, entra em falência técnica. Segundo as fontes, as necessidades dos bancos espanhóis em termos de recapitalização variam entre 40 e 100 bilhões de euros e Mariano Rajoy, que não quer recorrer à ajuda da Troika, está numa posição muito difícil. A juntar a isso, o fato de se sucederem vários escândalo bancários em nível internacional. O caso da manipulação da taxa Libor, a taxa interbancária londrina, é o mais sonante e envolve uma dúzia de grandes bancos. 

Acrescente-se ainda o caso da conduta danosa do HSBC, que envolve lavagem de dinheiro da droga e outros negócios criminosos.

Na França, a maioria dos eleitores afasta Nicolas Sarkozy. François Hollande é eleito em 6 de maio de 2012, mas a mudança não preocupa as instituições financeiras internacionais, que contam com o pragmatismo dos socialistas franceses e dos outros partidos socialistas europeus para darem continuidade à austeridade. Embora convenha ter sempre presente que o povo francês é muito propenso a excessos e suscetível de acreditar que é preciso uma verdadeira mudança.

Na Grécia, a situação é mais tensa para o BCE, pois o Syriza, coligação de esquerda radical que promete revogar as medidas de austeridade, suspender o pagamento da dívida e desafiar as autoridades europeias, está à beira duma vitória eleitoral. Para os defensores da austeridade europeia é preciso impedir a situação a todo custo. Na noite de 17 de junho de 2012 respira-se de alívio no BCE, na sede dos governos europeus e nos conselhos de administração das grandes empresas: o partido de direita, a Nova Democracia, passa à frente da Syriza. Até o novo presidente socialista francês saúda o resultado da eleição. E no dia seguinte os mercados respiram – vão poder manter a via da austeridade, da estabilização da zona euro e do saneamento das contas dos bancos privados.


(*) Eric Toussaint, professor na Universidade de Liège, é presidente do CADTM Bélgica (Comité para a Anulação da Dívida do Terceiro Mundo, www.cadtm.org) e membro do conselho científico da ATTAC França. Escreveu, com Damien Millet, AAA. Audit Annulation Autre politique, Seuil, Paris, 2012.

Notas
|1| O Banco de Inglaterra e outros bancos centrais seguem, grosso modo, a mesma política.

|2| Desde agosto de 2011 que descrevo a situação, numa fase em que poucos comentadores financeiros falavam do assunto. Veja-se a série No Cerne do Ciclone: a crise da dívida na União Europeia: «Os bancos financiaram e continuam a financiar os seus empréstimos aos Estados e às empresas europeias graças aos empréstimos que contraem nos money market funds dos EUA. Ora estes ganharam medo pelo que acontece na Europa [...]. A partir de julho de 2011, esta fonte de financiamento a juros baixos quase secou, principalmente à custa dos grandes bancos franceses, o que precipitou uma queda no mercado bolsista e aumentou a pressão exercida pelos bancos sobre o BCE, para que este comprasse títulos fornecendo assim dinheiro fresco. Em resumo, temos aqui mais uma prova da amplitude dos vasos comunicantes entre a economia dos EUA e a dos países da UE. Daí os contactos incessantes entre Barack Obama, Angela Merckel, Nicolas Sarkozy, o BCE, o FMI… e os grandes banqueiros, do Goldman Sachs ao BNP Paribas, passando pelo Deutsche Bank… Uma ruptura dos créditos em dólares, que trazem muito benefício aos bancos europeus, pode provocar uma crise muito grave no velho continente, da mesma maneira que a dificuldade dos bancos europeus em reembolsar os emprestadores norte-americanos pode precipitar uma nova crise na Wall Street» (http://cadtm.org/No-cerne-do-ciclon...). 

Um estudo recente do Banco Natixis confirma a angústia que experimentaram os bancos franceses durante o verão de 2011: Flash Economie, «bancos franceses no turbilhão dos mercados monetários», 29 de outubro de 2012. Lê-se também: «De junho a novembro de 2011, os fundos monetários norte-americanos retiraram, de repente, a maior parte do seu financiamento aos bancos franceses. [...] Foram cerca de 140 mil milhões de dólares de financiamento, a curto prazo, que os bancos franceses não receberam, no final de novembro de 2011, e nenhum foi poupado»  (http://cib.natixis.com/flushdoc.asp...). O fechar da torneira afetou também a maioria dos outros bancos europeus, como mostra o estudo publicado por Natixis.

|3| GAO, Federal Reserve System, Opportunities Exist to Strengthen Policies and Processes for Managing Emergency Assistance, julho de 2011, http://www.gao.gov/assets/330/321506.pdf. O relatório do Tribunal de Contas (GAO = United States Government Accountability Office) foi realizado devido a uma alteração da lei Dodd-Frank (ver mais à frente), introduzida pelos senadores Ron Paul, Alan Grayson e Bernie Sanders, em 2010. Bernie Sanders, senador independente, tornou-a pública (http://www.sanders.senate.gov/imo/media/doc/GAO%20Fed%20Investigation.pdf). 

Além disso, de acordo com um estudo independente do Instituto Levy, onde colaboram economistas como Joseph Stiglitz, Paul Krugman e James K Galbraith, os créditos do Fed atingiram um montante superior ao revelado pelo GAO. Não seriam 16 biliões, mas 29 biliões. Veja-se James Felkerson, «$29,000,000,000,000: A Detailed Look at the Fed’s Bailout by Funding Facility and Recipient», www.levyinstitute.org/pubs/wp_698.pdf

|4| «The CEO of JP Morgan Chase served on the New York Fed’s board of directors at the same time that his bank received more than $390 billion in financial assistance from the Fed. Moreover, JP Morgan Chase served as one of the clearing banks for the Fed’s emergency lending programs», http://www.sanders.senate.gov/newsroom/news/?id=9e2a4ea8-6e73-4be2-a753-...

|5| Michel Rocard e Pierre Larrouturou, «Pourquoi faut-il que les Etats payent 600 fois plus que les banques?», Le Monde, edição de 3 de janeiro de 2012. 

|6| Ver o relatório do GAO, mencionado mais acima, na p. 196, que refere empréstimos ao Dexia no valor de 53 bilhões de dólares, o que representa apenas uma parte dos empréstimos concedidos ao Dexia pelo Fed. 

|7| Financial Times, «Banks plot early repayment of ECB crisis loans», edição de 15 de novembro de 2012, p. 25.

|8| Retirado do diário económico espanhol El Economista

|9| Financial Times, ibid.

|10| Ver: Banco da Itália. 

|11| Mario Draghi assumiu a presidência do BCE a 1 de novembro de 2011.

|12| Ver http://fr.wikipedia.org/wiki/Crise_.... Ver também Alain Salles e Benoït Vitkine, «Fatalisme face à un sauvetage échangé contre une perte de souveraineté», Le Monde, edição de 22 de fevereiro de 2012, http://www.forumfr.com/sujet448690-....

|13| Mario Monti, primeiro-ministro desde 13 de novembro de 2011, foi nomeado senador vitalício pelo presidente da república, Giorgio Napolitano. Devido à sua nomeação, deixou vários cargos de responsabilidade: a presidência da mais prestigiada universidade privada italiana, a Bocconi, a presidência do departamento Europa, a Trilateral, um dos mais importantes círculos da elite oligárquica internacional, o comité de direção do clube Bilderberg e a presidência do think tank neoliberal Bruegel. Monti foi conselheiro internacional da Goldman Sachs, entre 2005 e 2011 (na qualidade de membro do Research Advisory Council do Goldman Sachs Global Market Institute); foi nomeado Comissário Europeu do Mercado Interno (1995-1999) e foi comissário europeu da Concorrência, em Bruxelas (1999-2004). Foi membro do Senior European Advisory Council da Moody’s e conselheiro da Coca-Cola. É ainda um dos presidentes do Bussiness and Economics Advisory Group do Atlantic Council (um think tank americano que promove a liderança dos EUA) e faz parte da presidência dos Friends of Europe, influente think tank com sede em Bruxelas.

|14| Com exceção do Reino Unido e da República Tcheca.

|15| Numa cimeira europeia, em 21 de junho de 2012, foi decidido que o MEE seria também usado para salvar os bancos. Na ocasião, foi apresentado por Mariano Rajoy como uma vitória, permitindo à Espanha escapar às novas condições impostas pela Comissão Europeia ou pela Troika. Rajoy explicou que a ajuda, que seria concedida pelo MEE aos bancos espanhóis, não seria contabilizada na dívida pública espanhola, o que levou dirigentes de vários países da zona euro (Alemanha, Holanda, Finlândia...) a protestar, assim como o FMI. No final de novembro de 2012, ainda não havia consenso sobre essa questão.


Fonte: Carta Maior via Vermelho