Samora Moisés Machel GColIH
(Madragoa, Gaza, 29 de Setembro de 1933
— Montes Libombos, 19 de Outubro de 1986)
foi um militar moçambicano, líder revolucionário de inspiração socialista, que liderou a Guerra
da Independência de Moçambique e se tornou o seu primeiro presidente
após a sua independência,
de 1975 a 1986.
Carinhosamente conhecido como "Pai da
Nação", morreu quando o avião em que regressava ao Maputo se despenhou em território sul-africano.Em 1975-1976
foi-lhe atribuído o Prémio Lénine da Paz.
Juventude
Samora Moisés Machel nasceu em 29 de setembro de
1933 em Madragoa, na Gaza. Filho
de um agricultor relativamente abastado, Mandande Moisés Machel, da aldeia de
Madragoa (actualmente Chilembene), Samora entrou na escola primária com nove
anos, quando o governo colonial português entregou a "educação
indígena" à Igreja Católica. Quando terminou a escola
primária, o jovem de cerca de 18 anos quis continuar a estudar, mas os padres
só lhe permitiam estudar teologia e Samora
decidiu ir tentar a vida em Lourenço Marques,
actual Maputo. Teve a sorte de encontrar trabalho
no Hospital Miguel Bombarda (o principal hospital da cidade) e, em 1952,
começou o curso de enfermagem. Em 1956,
foi colocado como enfermeiro na ilha da Inhaca, em frente da cidade de Maputo, onde casou com
Sorita Tchaicomo, de quem teve quatro filhos: Joscelina, Edelson, Olívia e
Ntewane.
Neto de um guerreiro de Gungunhana, Samora Machel foi educado como
nacionalista e, como estudante, foi sempre um «rebelde» e tomou conhecimento
dos importantes acontecimentos que se davam no mundo: a formação da República
Popular da China com Mao Tse-Tung, em 1949,
a independência do Gana com Kwame Nkrumah, em 1957,
seguida da independência de vários outros países africanos. Mas foi o seu encontro com Eduardo Mondlane, de visita a Moçambique em
1961
e que nessa altura trabalhava no Departamento de Curadoria da ONU
como investigador dos acontecimentos que levavam à independência dos países
africanos, que, juntamente com a perseguição política de que estava a ser alvo,
levou à decisão de Samora de abandonar o país em 1963
e juntar-se à FRELIMO na Tanzânia. Para lá chegar, teve a sorte de,
no Botswana, encontrar Joe Slovo (que, mais
tarde, foi presidente do Partido Comunista Sul-Africano) com um grupo de
membros do ANC
sul-africano, os quais lhe ofereceram
transporte num avião que tinham fretado.
Na
FRELIMO
Dado que, nessa altura, já a FRELIMO tinha chegado à conclusão de que
não seria possível conseguir a independência de Moçambique sem uma guerra de
libertação, o jovem enfermeiro Samora Machel foi integrado num grupo de
recrutas para receber treino militar na Argélia. No seu regresso à Tanzânia,
ascendeu imediatamente ao posto de comandante Em Novembro de 1966,
na sequência do assassinato de Filipe Samuel Magaia, então Chefe do
Departamento de Defesa e Segurança da Frelimo (o órgão que comandava a luta
armada), Samora foi nomeado chefe do novo Departamento de Defesa, com as mesmas
funções do anterior, enquanto Joaquim Chissano era nomeado chefe do
Departamento de Segurança, tratando dos problemas de espionagem que minavam o
movimento.
Em 1967, Samora Machel criou
o Destacamento Feminino (DF) para envolver as mulheres moçambicanas na luta de
libertação e, em 1969, casou-se oficialmente com Josina Muthemba, uma guerrilheira (com
ensino secundário) do DF, de quem teve um filho, Samora Machel Jr.
Josina morreu de leucemia, a 7 de Abril de 1973.
Em sua homenagem, depois da independência de Moçambique, o antigo Liceu Salazar,
na capital, passou a chamar-se «Escola Secundária Josina Machel» e o 7 de Abril
tornou-se feriado nacional (Dia da Mulher Moçambicana).
Em 1968, foi reaberta a
«Frente de Tete», a forma como Samora respondeu a dissidências dentro do
movimento, reforçando a moral dos guerrilheiros.
Em 3 de Fevereiro de 1969,
Eduardo Mondlane, então presidente da FRELIMO, foi assassinado com uma
encomenda-bomba. O vice-presidente, Uria Simango, assumiu a presidência, mas o
Comité Central, reunido em Abril, decidiu rodeá-lo de duas figuras – Machel e Marcelino dos
Santos –, formando um triunvirato. Em Novembro desse ano, Simango
publicou um documento dando apoio aos antigos dissidentes (que não tinham sido
ainda afastados do movimento) e acusando Samora e vários outros dirigentes de
conspirarem para o matar. Em Maio de 1970, noutra sessão do
Comité Central, Simango foi expulso da FRELIMO e Samora Machel foi eleito
Presidente, com Marcelino como Vice-Presidente. Segundo certos investigadores
da actualidade, Samora Machel não foi eleito após a morte de Mondlane, mas
ascendeu ao poder por circunstâncias associadas à situação que a FRELIMO então
atravessava. Como corolário, a violação dos estatutos do movimento, ao não
aceitar que Uria Simango fosse presidente da Frelimo após a morte de Eduardo
Mondlane em 1969.
Preparativos
para a Independência
Nos anos seguintes, até 1974,
Samora conseguiu organizar a guerrilha, de forma a neutralizar a ofensiva
militar portuguesa – comandada pelo General Kaúlza de Arriaga,
um homem de grande visão militar, a quem foi dado um enorme exército de
70 000 homens e mais de 15 000 toneladas de bombas –, e a organizar
aquelas a que a FRELIMO chamava «zonas libertadas». Na verdade, a FRELIMO
chamava «libertadas» a quaisquer zonas de algum modo afetadas por ações bélicas
e que abrangiam cerca de 30% do território. Como as ações bélicas eram
essencialmente potenciais ou muito ligeiras na maioria dos casos, estando o
verdadeiro foco da guerra confinado a bolsas bem restritas das províncias
(então «distritos») de Cabo Delgado, Niassa e Tete, as «zonas
libertadas» – ou melhor, as zonas sob o efetivo controlo da FRELIMO – não
tinham a dimensão que esta reivindicava.
Samora dirigiu também uma ofensiva diplomática
em que granjeou apoios, não só dos aliados socialistas, mas inclusive do Vaticano, um aliado tradicional de Portugal (o Papa
era então Paulo VI).
A seguir ao golpe-de-estado militar de 25 de Abril de 1974 («Revolução dos
Cravos»), em Portugal, que tivera como causa imediata a incapacidade
de resolver a questão colonial pelas armas, o Ministro dos Negócios
Estrangeiros português, Mário Soares,
encabeçou uma delegação a Lusaca, em que propôs à
FRELIMO o cessar-fogo e um referendo para
decidir se os moçambicanos (certamente incluindo os habitantes de origem
portuguesa) queriam a independência, conforme pretendia o General António de Spínola,
primeiro Presidente da República Portuguesa depois do 25 de Abril. Samora
recusou, afirmando que «a paz é inseparável da independência», e expandiu as
operações militares, contando com a desmotivação dos militares portugueses, aos
quais o 25 de Abril prometera o fim da guerra. Em
Julho, aproveitando a inação em que as forças armadas portuguesas tinham caído,
cercou um destacamento, que se rendeu, no posto de Omar, junto à fronteira da
Tanzânia. Entretanto, a ala mais radical do Movimento
das Forças Armadas (MFA), que fizera o golpe de 25 de Abril de 1974 em Portugal, chamou a
si as negociações com os movimentos autonomistas das colónias. Com a mudança de
atitude de Lisboa, acabou por ser assinado, em 7 de Setembro de 1974,
o Acordo de Lusaca, entre o governo provisório português (cuja delegação era
então dirigida por Melo Antunes,
Ministro sem Pasta) e a FRELIMO. Nos termos deste acordo, formar-se-ia no mesmo
mês um governo de transição, com elementos nomeados por Portugal e pela
FRELIMO, e a independência teria lugar a 25 de Junho de 1975.
A FRELIMO decidiu que o primeiro-ministro do governo
de transição não devia ser Samora, mas Chissano, ainda chefe do Departamento de
Segurança. Entretanto, Samora fez várias viagens aos países socialistas e a
países vizinhos de Moçambique, para agradecer o seu apoio durante a luta armada
e solicitar apoio para a construção do Moçambique independente. Durante uma
sessão do Comité Central, realizada na praia do Tofo (Inhambane) e dirigida por Samora, foi
aprovada a Constituição da
República Popular de Moçambique e decidido que Samora Machel seria o Presidente
da República.
Consolidação
do poder
Ainda antes da independência, sob a vigência do
governo de transição partilhado com Portugal, a FRELIMO cilindrou toda a
oposição. Os antigos militantes Lázaro Nkavandame, Uria Simango, Paulo Unhai,
Kambeu e Padre Mateus Gwengere foram detidos, a pretexto de se terem aliado a
elementos da comunidade branca no levantamento de 7 de Setembro de 1974 contra a entrega do
poder à FRELIMO (Mateus Gwengere foi raptado no Quénia, onde se encontrava
exilado, e trazido secretamente para Moçambique).[1] A mesma onda apanhou Joana Simeão
que, apesar de nunca ter pertencido à FRELIMO, criara um partido (GUMO – Grupo
Unido de Moçambique) alegadamente de tendências pró-ocidentais, propondo um
modelo baseado no pluralismo e no mercado livre (ironicamente, a FRELIMO viria
a adotar esse modelo anos mais tarde, quando acabou por renunciar ao marxismo).
Classificados como «traidores» e «inimigos», foram sujeitos a um julgamento
sumário presidido pelo próprio Machel nos moldes ditos «revolucionários» e
«populares».
Segundo revelam os jornalistas José Pinto de Sá
e Nélson Saúte no diário português «Público», Joana Simeão, o reverendo Uria
Simango, Lázaro Nkavandame, Raul Casal Ribeiro, Arcanjo Kambeu, Júlio Nihia,
Paulo Gumane e o padre Mateus Gwengere encontravam-se internados no «campo de
reeducação» de M’telela, no Niassa (noroeste de
Moçambique), quando, a 25 de junho de 1977
(segundo aniversário da independência de Moçambique), lhes foi comunicado que
iriam ser transportados para a capital, Maputo, onde o presidente Samora Machel discutiria a sua
libertação. Seguiam numa coluna de jipes que, a dada altura, parou. À beira da
picada, os soldados tinham aberto com uma escavadora mecânica uma grande vala e
tinham-na enchido parcialmente de lenha. Amarraram os prisioneiros,
atiraram-nos para dentro da vala e regaram-nos com gasolina, ateando-lhes fogo. Os
prisioneiros políticos da Frelimo foram queimados vivos, enquanto os soldados
entoavam hinos revolucionários em redor da vala. Só dezoito anos mais tarde, em
1995,
vieram a lume os macabros pormenores do massacre, perante o silêncio da
Frelimo, cujos sucessivos governos se tinham até então sistematicamente negado
a fornecer informações sobre o paradeiro daqueles elementos do chamado «grupo
dos reacionários».
Um outro dissidente da FRELIMO, Miguel Murupa,
conseguiu refugiar-se em Portugal, tal como Máximo Dias (n.º 2 do GUMO) e dois
antigos contestatários do regime colonial, Domingos Arouca e Pereira Leite. O
advogado Willem Gerard Pott, com atividade considerada progressista durante a
época colonial, caiu em desgraça por não demonstrar fidelidade incondicional à
FRELIMO, acabando por morrer na prisão em consequência de tratamentos
aviltantes (como, por exemplo, ser obrigado a correr semi-nu na via pública).
A mudança
de política de Machel em relação aos Portugueses
É quase consensualmente admitido que uma das
principais razões do colapso da economia moçambicana após a independência foi a
partida precipitada da maioria dos cerca de 200 000 Portugueses residentes
no país nas vésperas do 25 de Abril de 1974,
e que esse êxodo terá sido provocado por uma mudança brusca de atitude por
parte de Samora Machel.
Com efeito, o governo de transição que iria
dirigir o país entre o acordo de cessar-fogo (assinado a 7 de Setembro de 1974
em Lusaca) e a independência (prevista para 25 de Junho do ano seguinte)
tinha-se mostrado bastante conciliador. O primeiro-ministro, Joaquim Chissano
(que se tornaria presidente da República depois da morte de Machel, doze anos
mais tarde), conseguiu convencer a maior parte dos brancos de que somente os
que tivessem graves responsabilidades nas páginas mais sombrias da época colonial
poderiam recear o governo da Frelimo.
Um mês antes da independência, ou seja, em
meados de Maio de 1975, Samora Machel entrou em Moçambique pela fronteira
norte, vindo da Tanzânia, e encetou um
périplo com destino à capital, situada no extremo sul, aonde deveria chegar na
véspera da independência. Ao longo dessa viagem, inflamava literalmente as
massas com os seus discursos, nos quais não cessava de repisar os aspectos mais
odiosos e humilhantes do colonialismo na perspectiva dos colonizados. O
mal-estar instalou-se progressivamente entre a comunidade portuguesa, numerosos
membros da qual decidiram ir refazer a vida noutras paragens.
Têm sido propostas diversas explicações para
esta mudança de atitude. No seu livro Quase Memórias, o Dr. António de
Almeida Santos, célebre advogado de Lourenço Marques que, após a
queda do regime de Marcello Caetano, foi Ministro da Coordenação
Interterritorial e que conheceu Machel de perto, sustenta que o presidente da
Frelimo teria sido muito afectado por dois episódios de violência, o primeiro
dos quais causado por um levantamento na capital, com tomada das instalações do
Rádio Clube de
Moçambique, na sequência da assinatura do Acordo de Lusaca de 7 de
Setembro de 1974 entre o governo provisório português e a FRELIMO, prevendo a
concessão do poder, sem partilha, ao movimento nacionalista: este levantamento
foi dirigido pela FICO (Frente Integracionista de Continuidade Ocidental), um
movimento maioritariamente branco ao qual se tinham aliado dissidentes da
FRELIMO e outros membros da comunidade negra que não viam com bons olhos a
instauração de um regime de partido único em nome da FRELIMO. Como represália,
eclodiram então motins sangrentos nos bairros negros da cidade e, durante
vários dias, milhares de habitantes, sobretudo portugueses, foram barbaramente
massacrados por apoiantes da FRELIMO. O segundo episódio de violência ocorreu
poucas semanas mais tarde, a 21 de Outubro de 1974, na sequência de uma querela
entre comandos portugueses e guerrilheiros da
FRELIMO, provocando também motins sangrentos nos bairros de maioria negra, com
o assassinato de dezenas de brancos e negros. Segundo Almeida Santos, Machel ter-se-ia
possivelmente convencido de que a presença de uma numerosa comunidade
portuguesa em Moçambique constituiria sempre uma fonte de instabilidade e uma
ameaça potencial contra o poder da FRELIMO. A isso ter-se-iam juntado as
pressões da União Soviética,
para com quem a FRELIMO tinha contraído uma pesada dívida, sobretudo política,
e que teria interesse em se desembaraçar dos Portugueses a fim de melhor
exercer a sua influência a todos os níveis.
A
presidência
No plano interno, Samora sempre assumiu uma
política autocrática e populista, tentando
utilizar nos meios urbanos os métodos usados na guerrilha e promover o
desenvolvimento do país em bases socialistas, com repressão de qualquer
dissidência interna. Menos de um mês depois da independência, Samora anunciou a
nacionalização da saúde, da educação e da justiça; passado um ano, a
nacionalização das casas de rendimento, criando a APIE
(Administração do Parque Imobiliário do Estado),[1] que alugava as casas com rendas
de acordo com o rendimento do agregado familiar. Lançou grandes programas de socialização
do campo, com o apoio dos países socialistas, envolvendo-se pessoalmente numa
campanha de colheita do arroz. Conseguiu ainda o apoio popular, principalmente
dos jovens, para operações de grande vulto, tais como o recenseamento da
população, em 1980, e a troca da moeda colonial pela nova
moeda, o metical, no mesmo ano. Outras políticas
populares foram as «ofensivas» a favor do aumento da produtividade e contra a
corrupção, geralmente anunciadas em grandes comícios, para os quais a população
era maciçamente convocada.
No entanto, poucas destas campanhas tiveram
êxito e, em parte, levaram à partida de grande número de residentes de origem
estrangeira, portugueses na sua maioria, o que provocou a paralisação
temporária de muitas empresas e, mais tarde, por falta de capacidade de gestão,
o colapso de muitos setores, como as indústrias têxtil, metalúrgica e química.
Outras medidas impopulares foram o encarceramento nos chamados «campos de
reeducação» das Testemunhas de
Jeová, dos «improdutivos» e das prostitutas e a colocação em locais remotos
de jovens com cursos superiores, medidas com o alegado objectivo de desenvolver
regiões onde havia pouca população. A instalação do aparelho policial e
repressivo gerou também desencanto entre a população, sobretudo urbana, em
expansão rápida nos anos 70 e 80, e as próprias bases do partido Frelimo.
Sob a iniciativa do SNASP
(Serviço
Nacional de Segurança Popular) e da PIC
(Polícia de Investigação Criminal), proliferaram as detenções, quer em
penitenciárias tradicionais, como a da Machava, quer em «campos de reeducação»
perdidos no mato do Norte e do Centro do país. A própria primeira mulher de
Machel, que ele abandonara quando partira para a Tanzânia em 1963, foi detida,
mau grado a sua ausência total de atividade política. A vida quotidiana dos
cidadãos passou a ser vigiada pelos «grupos dinamizadores», células de controlo
criadas a nível dos bairros e locais de trabalho.
Foi imposta uma reforma agrária, que visava
agrupar os camponeses em «aldeias comunais» segundo o modelo dos kolkhozes e
sovkhozes. Para o efeito, o novo regime moçambicano não hesitou em utilizar os
antigos «aldeamentos», pequenos aglomerados nos quais o exército português
tentara confinar a população rural, tradicionalmente dispersa em unidades
unifamiliares no campo, a fim de a subtrair à influência da FRELIMO nas zonas
do Norte afectadas pela guerra (paradoxalmente, a própria FRELIMO classificava
então esses «aldeamentos» como «campos de concentração»). A reforma agrária
baseada no conceito das «aldeias comunais» redundou num fiasco colossal.
Na frente externa, Samora sempre seguiu uma política
de angariar amizades e apoio para Moçambique, não só entre os «amigos»
tradicionais, os países do «bloco soviético» e os
países vizinhos unidos numa frente de integração regional, a SADCC, mas até
entre os seus «inimigos», sendo inclusivamente recebido (embora com frieza) por
Ronald Reagan e tendo assinado um acordo de
boa-vizinhança com Pieter Botha, presidente da África do Sul nos últimos anos do apartheid (o Acordo de Nkomati). Apesar disso, Samora
não conseguiu suster a guerra que, iniciada logo a seguir à independência pelos
vizinhos regimes racistas (a África do Sul e a Rodésia de Ian Smith), se tornou uma verdadeira guerra
civil dirigida por um movimento de resistência armada (a RENAMO). A guerra civil durou 16 anos, provocou cerca de
um milhão de mortos e cinco milhões de deslocados e destruiu grande parte das
infraestruturas do país.
A partida da comunidade portuguesa, o insucesso
da política de socialização e a guerra levaram a um colapso económico, e
Samora, nos últimos anos, teve de abrandar a política de orientação comunista,
permitindo aos «quadros» acesso a bens que estavam vedados ao comum dos cidadãos,
encetando conversações com a RENAMO e, finalmente,
organizando acordos com o Banco Mundial e
o FMI,
no sentido de estancar a guerra e relançar a economia.
Morte
Samora Machel não conseguiu, no entanto, ver
realizados os seus propósitos, uma vez que, em 19 de Outubro de 1986,
quando se encontrava de regresso de uma reunião internacional em Lusaka, o Tupolev 134 cedido pela União Soviética
em que seguia, junto com muitos dos seus colaboradores, se despenhou em
Mbuzini, nos montes Libombos (território
sul-africano, perto da fronteira com Moçambique). O acidente foi atribuído a
erros do piloto russo, mas ficou provado que este tinha seguido um rádio-farol,
cuja origem não foi determinada. Este facto levou a especulações sobre uma
possível cumplicidade do governo sul-africano, que nunca se conseguiu provar.
Em 2010, o jornalista português José Milhazes, que
vive em Moscovo desde 1977
e trabalha atualmente para o diário português Público
e como correspondente da cadeia portuguesa de televisão SIC,
publicou o livro «Samora Machel: Atentado ou Acidente?»[5], no qual sustenta que a queda do
avião nada teve a ver com um atentado ou uma falha mecânica, mas sim com
diversos erros da tripulação russa: em lugar de executar corretamente as
operações de voo, os membros da tripulação, incluindo o piloto, estavam
entretidos com futilidades, como a partilha de bebidas alcoólicas e outras, que
não era possível obter em Moçambique e que eles traziam da Zâmbia. Segundo
Milhazes, tanto os soviéticos como os moçambicanos teriam interesse em divulgar
a tese de um atentado perpetrado pelo governo racista da África do Sul: a URSS
quereria salvaguardar a sua reputação (qualidade mecânica do aparelho e
profissionalismo da tripulação), ao passo que o governo de Moçambique quereria
criar um herói.
No entanto, em 2007,
Jacinto Veloso, um dos mais fieis aliados de Machel no seio da Frelimo, tinha
já publicado as suas Memórias em Voo Rasante [6], nas quais sustenta que a morte
do presidente de Moçambique se deveu a uma conspiração entre os serviços
secretos sul-africanos e os soviéticos, que, uns e outros, teriam razões para o
eliminar.
Segundo Veloso, o embaixador soviético pediu
certa vez uma audiência ao Presidente para lhe comunicar a apreensão da URSS
face ao aparente «deslizamento» de Moçambique para o Ocidente, ao que Machel
teria respondido «Vai à merda!», ordenando em seguida ao intérprete que
traduzisse e abandonando a sala. Convencidos de que Machel se afastara
irrevogavelmente da sua órbita, os soviéticos não teriam hesitado em sacrificar
o piloto e toda a equipagem do seu próprio avião.