sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

Aline Rodrigues: “Rolezinhos” – surpresas ou revelações?

Um novo fenômeno social vem surgindo nas grandes cidades brasileiras, o fenômeno dos “rolezinhos”. Qualquer posicionamento que se possa tomar em relação a tal fenômeno se torna oco diante do contexto concreto da vida dos personagens envolvidos nestes episódios. 

Por Aline Rodrigues, especial para o Vermelho


rolezinho
Jovens posam para foto durante um "rolezinho", sem armas, sem roubos, sem violência. 
Ser contra os encontros de jovens alegando que estes “deveriam procurar algo melhor para fazer” ou determinando sua predisposição ao crime se soma a outros clichês sustentados pela nossa cultura individualista e segregacionista, e não elimina nem resolve o confronto social que se revela. Tampouco, a apologia ingênua ao possível caráter “de massa” e de protesto destes encontros serve para compreender este movimento, de onde veio e para onde pode ir.

O que sabemos com certeza, é que houve estes encontros em shoppings de grandes cidades, a maioria deles, sem roubos e sem porte de armas por parte da galera. Mesmo assim, a perseguição, a repressão e as detenções ocorreram, a maioria sem justificativa legal. 

A novidade, a surpresa, o choque da sociedade se deu em relação à entrada em massa de jovens nos shoppings ou em relação à perseguição policial? 

A primeira hipótese de choque se anula quando vemos vídeos de jovens na internet realizando grandes encontros com muito barulho e palavras de ordem em praças de alimentação de shoppings, um deles, de estudantes de economia da USP. No máximo, as demais pessoas, que não participavam destas festas, olhavam de longe e seguiam andando.

A segunda hipótese é mais problemática pelo local onde ocorreu, porém, não tão incomum, quando observamos os números da violência contra jovens no Brasil, que choca a organização das Nações Unidas, enquanto, na nossa realidade nacional, esta violência contra jovens se naturalizou e se integrou ao nosso cotidiano.

Aliás, é muito mais comum enxergarmos nossos jovens mais como possíveis marginais do que como seres portadores de sonhos. Este estigma nos choca quando vemos jovens da periferia saírem do gueto para sonharem com seus objetos de consumo e com o padrão de vida que poderiam ter se não fossem pobres. Divertirem-se fora do gueto, ultrapassarem a linha divisória que divide frequentadores de shoppings e o “resto” da população foi a grande transgressão deste fenômeno.

Alguns poderão argumentar que nosso país não é tão segregado assim, que não chegamos a viver um apartheid social. Realmente, nosso apartheid não é idêntico ao que ocorreu na África do Sul. Porém, diversos dados demonstram que há lugares frequentados exclusivamente por brancos em nosso país, onde a entrada de negros ou de qualquer indivíduo de origem mais humilde só se dá com a finalidade de prestar serviços de baixa remuneração. Estes lugares geralmente envolvem postos de comando e prestígio social. Existem muitos estudos em sociologia sobre o fenômeno da segregação social no Brasil pela “origem” (um exemplo).

O movimento intitulado Funk Ostentação foi o grande impulsionador dos rolezinhos. Surgiu na Baixada Santista e Região Metropolitana de São Paulo nos últimos anos, e evoca o consumo, o luxo, o dinheiro e o prazer que tudo isso dá. Teve influência do gangsta rap norte-americano, muito propagado nos clipes do funk ostentação. Nestes clipes, os MCs têm vida de rico com direito a tudo o que manda o figurino. Não contestam o sistema capitalista, assumem o desejo de emergir socialmente, fazem apologia a marcas de roupas, uso de joias e outros símbolos de status.

Esta apologia ao luxo e ao sistema incomodou diversos intelectuais brasileiros, além de lideranças comunitárias das periferias das grandes cidades. Agora, os “rolezinhos” e a perseguição sofrida pela garotada deram ao movimento ares de insurreição política, e têm causado muita confusão na opinião pública.

Nossas relações sociais têm sido cada vez mais pautadas pela lógica do consumo. Nas periferias o consumo é uma forma muito importante de sociabilidade, assim como nos demais meios sociais. De fato todos nós precisamos atentar mais para a forma como as mercadorias e demais signos de status invadem nossa subjetividade. O consumismo desenfreado, o egoísmo e o hedonismo podem levar muitos jovens para a criminalidade, assim como leva pessoas de todas as camadas sociais a cometerem delitos, extrapolarem na falta de respeito com outras pessoas, sonegarem impostos, entre outros problemas criados pelo próprio capitalismo. Muitos crimes contra a humanidade e contra o meio ambiente foram e são praticados no mundo em nome do direito ao consumo dos ricos e da classe média.

Quando a classe média e alta critica o consumo destes jovens, evidencia-se um discurso de julgamento de quem olha de uma posição superior para um inferior, um pobrezinho, um sofredor, nunca para um ser humano com sonhos, com subjetividade. Aos de baixo não cabe julgar o superior. Na televisão e em outros meios são apresentados estilos de vida nobres, com abundância de recursos e beleza. Ao pobre, não é permitido ser ambicioso. Isto o aproximaria do crime. Porém, raramente o pobre ambicioso adere ao crime, apesar do desejo expresso em letras de música.

Ao invés de ficarem em casa trancados vendo televisão, depois de trabalharem a semana toda, estes jovens decidiram, por meio das redes sociais, se encontrar para se conhecerem pessoalmente e “zoar”, o que não agradou boa parte da classe média que frequenta shoppings aos finais de semana. Seguranças foram acionados, consumidores ficaram apreensivos, com medo de furtos. Os locais são privados, porém de acordo com a lei Nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989, em seu artigo 8º, é proibido “impedir o acesso ou recusar atendimento em restaurantes, bares, confeitarias, ou locais semelhantes abertos ao público”. A pena para tal delito é a reclusão de um a três anos. 

A perseguição aos encontros populares das camadas mais baixas também é um dado recorrente na história do Brasil. A história da formação do povo brasileiro vem se dando, há mais de cinco séculos, com uma profunda opressão sobre os de baixo. Os batuques que vinham das senzalas, a capoeira, o samba e muitos outros encontros foram estigmatizados pelo discurso produzido nas classes dominantes, que determina o lugar de todos na sociedade, segundo sua funcionalidade. Foi produzida uma moral dominante ao longo destes séculos que dita que aos indivíduos pobres só cabe trabalhar, que diversão de pobre é vagabundagem, promiscuidade. A perseguição (moral e policial) que o funk vem sofrendo desde os anos 1990 faz parte desta história de opressão.

A identidade cultural do jovem favelado no nosso contexto urbano contém a experiência do funk. As proibições que já ocorreram aos bailes foram tentativas de esconder ou segregar esta experiência juvenil. As argumentações em relação ao consumo de drogas e promiscuidade não dizem muito sobre tais proibições considerando-se que drogas, álcool e mensagens sexuais apelativas estão presentes no contexto diário de qualquer cidadão brasileiro. Se as proibições ocorressem por tais motivos, não haveria jogos de futebol, shows de qualquer estilo musical, micaretas e cervejadas em nosso país.

As reuniões com grande número de participantes só foi proibida por lei na ditadura militar, ocasião em que foi criada a Rota como forma de vigiar as periferias. Caso alguém fosse encontrado perambulando pelas ruas à noite nesta época, e fosse abordado pela Rota, teria que instantaneamente apresentar a carteira profissional para provar que era de fato trabalhador e não “vagabundo”.

Mesmo sem conterem um caráter nitidamente político, os “rolezinhos” se inserem num quadro de ações afirmativas da juventude negra, pobre e trabalhadora no Brasil. Esta geração, que teve seus genitores, muito provavelmente, envolvidos em movimentos comunitários nos anos 1980 e 1990, ocupando bairros que não tinham estrutura de saneamento básico, levantando casas e barracos, hoje quer ter o direito de participar do mercado consumidor, aderindo o máximo possível ao capitalismo, usufruindo de suas benesses. 

A luta por cidadania no Brasil nem sempre teve caráter estritamente de resistência. Deu-se, quase sempre, como uma soma de fatores, motivada pela luta por ocupação dos espaços e pela criação coletiva de estratégias de sobrevivência, que muitas vezes fizeram coro com o discurso hegemônico, para desagrado de algumas correntes da esquerda e da direita.


*Professora na rede estadual de SP, com formação em Filosofia e militante do PCdoB em Campinas (SP).


Fonte: Vermelho

Refugiados palestinos enfrentam grave crise humanitária na Síria

O campo de refugiados palestinos de Yarmouk, na Síria, é palco de uma extrema crise humanitária, em meio ao conflito que assola o país árabe há três anos. Vulnerável às incursões e involuntariamente servindo de abrigo aos grupos armados que combatem contra o Exército sírio, o campo ficou bloqueado e parou de receber assistência humanitária inclusive da agência das Nações Unidas responsável por supri-lo. Neste cenário, notícias sobre a morte de refugiados devido à fome são alarmantes.


ssam Rimawi / APA images
Yarmouk
"Yarmouk". Palestinos protestam na Cisjordânia em solidariedade aos refugiados no campo de Yarmouk, próximo a Damasco, capital da Síria, em extrema crise humanitária devido ao conflito armado.
A Autoridade Nacional Palestina tem reiterado o seu pedido ao governo sírio e aos grupos armados para a exclusão do campo de refugiados da rota de combate. 

A polêmica está em torno do refúgio buscado na região também por grupos extremistas que têm lutado contra o Exército da Síria, garantido involuntariamente no campo de refugiados de Yarmouk, por exemplo, devido à vulnerabilidade da sua condição, sobretudo em meio ao conflito armado.

A Agência das Nações Unidas de Assistência e Trabalhos para os Refugiados da Palestina (UNRWA), responsável pela manutenção dos campos no Oriente Médio, tem encontrado dificuldade extrema na entrega de diversos bens de primeira necessidade, inclusive alimentícios. 

Nos últimos meses, segundo fontes palestinas, cerca de 50 pessoas já morreram de fome em Yarmouk, um campo de pouco mais de dois quilômetros quadrados, mas que acomoda a maior comunidade de refugiados palestinos na Síria, nos arredores da capital, Damasco.

Nesta semana, os meios de comunicação palestinos têm focado suas atenções na crise vivida no campo de refugiados, com a notícia de mais mortes devido à fome, além de outras mortes em meio aos confrontos armados. As autoridades palestinas têm tentado garantir o não envolvimento dos refugiados na questão política síria ou nos grupos que lutam contra as forças do governo, mas principalmente os islamitas têm se infiltrado nessas regiões.

O campo de Yarmouk enfrenta um período de cinco meses de bloqueio, enquanto os esforços para expulsar os grupos armados são contínuos. Falta comida e suprimentos de emergência, o que aumenta uma situação já extrema para os milhares de refugiados no campo. Em 2002, um censo estimava que cerca de 110 mil refugiados viviam em Yarmouk.

No fim de semana, o presidente da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas, havia ordenado o envio imediato de suprimentos ao campo, assim como a mediação do embaixador da Palestina na Síria e de outras autoridades, para facilitar a entrada da assistência. Nos dias anteriores, mais cinco palestinos tinham morrido de fome.

O comissário-geral da UNRWA, Filippo Grandi, disse que as “condições humanitárias no campo de refugiados bloqueado em Yarmouk estão piorando dramaticamente, e nós estamos, atualmente, incapazes de ajudar aqueles que ficaram presos dentro dele.” Cerca de 20 mil refugiados palestinos ainda residem no campo, de acordo com a agência.

Da redação do Vermelho,
Com informações da agência palestina Wafa

2014 começa com vitória para o socialismo

Haroldo Lima *

Os socialistas e comunistas do mundo inteiro receberiam como um grato Feliz Ano Novo a noticia de que estão indo bem as experiências socialistas no mundo e de que, sob algum aspecto importante, o socialismo acaba de marcar um tento sobre o capitalismo. Pois noticia desse tipo vem de aparecer nessa primeira quinzena de 2014. Ela vem do Oriente. 


A China – porta-estandarte das experiências socialistas em curso – acaba de superar os Estados Unidos – porta-estandarte do capitalismo no planeta – em uma questão crucial: na condição de país com o maior movimento comercial da atualidade. 

Já em 2012, a balança comercial da China chegara a um empate técnico com a dos Estados Unidos. Cada uma atingiu aproximadamente 3,8 trilhões de dólares. Mas, em 2013, a evolução de ambos os países foi contrastante. Enquanto a sociedade americana não conseguiu avançar em sua produção interna e em seu comércio mundo afora, a China, na base do dinamismo extraordinário do seu socialismo de mercado, continuou aumentando a produção e troca de seus produtos e, finalmente, desempatou o jogo, cravando a impressionante cifra de 4,2 trilhões de dólares na soma de suas exportações e importações. Ficou isolada em primeiro lugar no ranking dos países, sob o critério das balanças comerciais realizadas. 

Esse fato tem um significado simbólico. É que os Estados Unidos, representante máximo do capitalismo, detinham, de forma absoluta e aparentemente inatingível, há mais de cem anos, o título de maior potência comercial do mundo. Jamais um país socialista, nem qualquer outro, chegou perto dessa marca. No século XIX, quem deteve essa posição foi a Inglaterra.

Outras implicações tem essa boa notícia do Ano Novo de 2014. É que ela é a preliminar de um anúncio maior que vem por aí, o da superação de uma página da história mundial, a da hegemonia absoluta que os Estados Unidos exerceram no mundo sob todos os aspectos, com a maior truculência, conquistando, ocupando e saqueando países, massacrando física e espiritualmente povos cujos sonhos de liberdade e independência sepultavam. 

A virada que agora começa, de forma alguma significa que o imperialismo está batido. Ele está, meramente, abatido, perdendo posições. Sua natureza e sua pujança não mudaram. Ser desbancado da posição de maior potencia comercial existente mostra que ele pode ser ultrapassado, como, aliás, enfatizou, em 1956, o grande dirigente chinês Mao Tse tung, em famosa entrevista à jornalista Anna Louise Strong, na qual disse que “estrategicamente o imperialismo é um tigre de papel”, ao que o próprio Mao aduziu que, a curto prazo, contudo, ele deve inspirar muito cuidado, pois tem “dentes de aço”.

Ao se examinar as condições que permitiram acontecer este evento espetacular, há que se dar o crédito, em primeiro lugar, à sociedade chinesa, protagonista principal do fato, e ao modo de produção que ali se constrói, sob a direção do Partido Comunista da China, o “socialismo com peculiaridades chinesas”. 

Boa parte dos teóricos ocidentais, em geral formada nas escolas do capital, mostra-se perplexa e aturdida ante o fenômeno do maior país do mundo crescer por 34 anos ininterruptos a uma média de quase 10% ao ano, retirando da faixa de pobreza mais gente do que todo o resto do mundo junto. 
Para explicar este processo insólito, sem dar qualquer crédito ao socialismo, há quem faça o maior malabarismo intelectual, arrole uma porção de dados, entrelace enorme quantidade de raciocínios e formule várias teorias, todas falsas, porque escamoteiam o dado básico, a informação central de que todo aquele processo monumental é dirigido minuciosa e diretamente pelo Partido Comunista da China, que não se cansa de dizer e repetir que está construindo a “etapa primária do socialismo na China”, fruto de décadas de experimentações e ajustes, a partir do que formulou, estrutura e desenvolve o “socialismo com peculiaridades chinesas”, que é “um socialismo de mercado”, com inúmeras formas novas e criadoras. 

Boa parte desses estudiosos, entre os quais alguns que se consideram de esquerda, e até marxistas, passam ao largo desses temas centrais e assim não tratam do caminho prático e atual do socialismo. Com isso excluem-se de participar do esforço de compreensão sobre o que está acontecendo no grande país asiático, onde uma formação social complexa, sedimentada na propriedade social dos grandes meios de produção, das finanças e da terra, consegue por em ação gigantesca quantidade de forças produtivas, organizadas das mais diferentes e originais formas, tudo integrado em sistema que articula planejamento e direção centralizados dos objetivos estratégicos com execução descentralizada dos empreendimentos imediatos, e que estrutura a convivência de múltiplas formas de propriedade, inclusive da propriedade privada, com a propriedade social, predominante sobre todas as outras. 

Mas, se a emergência da China como maior potência comercial do mundo funda-se no alto desempenho do socialismo com peculiaridades chinesas, ela não teria se dado sem o concurso de outros países. Destaque-se aí o papel dos emergentes. 

No caso que nos toca mais de perto, que é o da América Latina, houve um aprofundamento comercial sem precedentes das relações com a China. O volume do comércio entre essas duas partes cresceu quase 100% em 2011, relativamente a 2009.

Naturalmente que nessa relação o destaque é o Brasil. E também aí houve mudança importante, tendo a China desbancado os Estados Unidos da condição de maior parceira comercial brasileira. 

Esse quadro amplo de mudanças que ocorre se insere numa alteração mais geral ainda, a do deslocamento do centro de gravidades das economias industrializadas, que sai dos países tradicionalmente desenvolvidos para os emergentes. Por trás da chamada expansão da classe média desses países está o crescimento dos seus mercados internos, muitas vezes expandidos, porque no meio dos emergentes estão grandes países.

Por último há que se registrar preocupações existentes no Brasil e América Latina no sentido de que o novo patamar de relações comerciais com a China não venha significar um aprofundamento da condição histórica de exportadora de bens primários por parte dos latino-americanos. Aí cabem, ao Estado brasileiro e aos de outros países dessa parte do mundo, cuidar da modernização de sua indústria, da garantia de sua competitividade, da subordinação dos interesses financeiros aos interesses da produção, da expansão do mercado interno, a partir do que poderemos estar, com relação à China e a todo o mundo, com uma pauta de exportação e importação mais equilibrada, produzindo e exportando produtos de maior valor agregado. 


* Haroldo Lima é ex-diretor-geral da Agência Nacional de Petróleo (ANP) e membro do Comitê Central do PCdoB

Em um ano, ACM Neto mostrou que veio governar para as elites

Caio Botelho *

Há certo tempo que as belezas naturais e os encantos de um povo alegre contrastam com uma crise sem precedentes vivida pela cidade do Salvador. Desde que a ex-prefeita Lídice da Mata (hoje senadora pelo PSB) deixou o Palácio Tomé de Souza, em 1996, a capital dos baianos não sabe o que é ser governada por um autêntico projeto popular.


Atualmente os soteropolitanos enfrentam um carlismo repaginado, que sagrou-se vitorioso nas últimas eleições municipais. Esse “neocarlismo” joga com armas novas, passa a impressão de ser afeito ao diálogo e, com isso, chega até mesmo a ludibriar alguns. Mas em essência representa o mesmo projeto autoritário gestado durante a ditadura militar e que durante cerca de quatro décadas praticamente ininterruptas obteve a hegemonia política na Bahia. E o resultado, como sabemos, foi desastroso para o estado.

Desde a posse de ACM Neto (DEM) na Prefeitura de Salvador aos dias atuais já se passou mais de um ano. Tempo suficiente para “arrumar a casa” e dar cara própria ao governo. Também é hora, portanto, de se fazer um balanço, ainda que modesto, desse período e seus resultados para a cidade.

Trata-se de um governo do engodo, da propaganda e das maquiagens. Não há espaço para dialogo democrático na administração de ACM Neto. Falta transparência e inexiste qualquer esforço para construir um debate propositivo em torno de um projeto de desenvolvimento para Salvador. Os vultosos investimentos em bairros nobres - como os mais de R$ 100 milhões que serão gastos na revitalização da Barra - contrastam com o completo abandono dos bairros da periferia.

Quando deputado, ACM Neto fazia calorosos discursos contra a corrupção na tribuna da Câmara, mas parece não ter a mesma preocupação com o tema na gestão da Prefeitura. O seu secretariado é composto por figuras conhecidas pela má fama que gozam nos corredores do Ministério Público e outros órgãos de controle, como é o caso do atual secretário da Fazenda, Mauro Ricardo, que foi secretário das Finanças da Prefeitura de São Paulo durante a gestão de Gilberto Kassab e é um dos pivôs do escândalo da “máfia dos fiscais”, que recentemente veio a público com forte repercussão nacional. Mesmo com graves denúncias incriminando seu secretário, o prefeito bateu pé firme e disse que ele fica, e de fato ficou.

Outra figura emblemática é o ex-secretário de educação, João Carlos Bacelar, egresso do desastroso governo de João Henrique e que saiu recentemente do governo para preparar sua candidatura à Câmara dos Deputados. Além de uma gestão que acentuou o sucateamento da rede municipal de ensino, ele está sendo acusado desviar R$ 64 milhões em convênios fraudulentos com a ONG Pierre Bourdieu.

Também foi ele quem contratou, com o aval do prefeito, o Instituto Alfa e Beto para colocar em prática um programa de alfabetização criticado por diversos educadores por conter termos racistas e machistas. E pior: o fez com dispensa de licitação em um contrato de R$ 12 milhões. Considerando as irregularidades, o MP baiano chegou a solicitar a suspensão do contrato, e foi solenemente ignorado. Ao se investigar mais um pouco, descobriu-se que quase todos os contratos desse Instituto são com prefeituras administradas pelo DEM. Coincidência?

Já o secretário de assistência social, deputado Maurício Trindade, responde no STF a um processo por tráfico de influência. Quando ainda era vereador, ele teria procurado um dos sócios da empresa Nutril para exigir o pagamento de 15% do valor de um contrato a ser firmado com a Secretaria de Saúde, no governo do então prefeito Antônio Imbassahy. Além disso, nas eleições de 2008, correligionários do já deputado Trindade foram flagrados por uma equipe do Jornal “A Tarde” distribuindo requisições médicas fixadas em santinhos de ACM Neto, candidato a prefeito nas eleições daquele ano, quando sequer chegou ao segundo turno.

Mas pelo menos em um aspecto a competência do governo de ACM Neto não pode ser questionada: a propaganda. Como afirmou a deputada Alice Portugal (PCdoB) em recente entrevista à Rádio Metrópole, “o menino pinta um meio-fio e já um grande feito”.

E é verdade. A administração municipal especializou-se em pongar em iniciativas alheias ou fazer um grande estardalhaço com pequenas obras. Foi assim com a “reforma” da tradicional Praça 2 de Julho, no Campo Grande. No final das contas, apenas a fonte da Praça passou por pequenas melhorias. Mas é claro que isso não impediu o governo de fazer uma grande festa de reinauguração. Gastou-se mais na propaganda da reforma da Praça do que com a reforma propriamente dita.

Outra iniciativa festejada com pompas pela propaganda oficial é o projeto “Salvador vai de bike”, que pretende estimular os soteropolitanos a andarem de bicicleta. É só pagar uma taxa anual de R$ 10,00 e pegar uma das bicicletas disponíveis em diversas estações espalhadas em pontos estratégicos da cidade. Depois de usar, é só devolvê-la em qualquer uma dessas estações. Uma excelente iniciativa, sem dúvidas. Só “esqueceram” de avisar que quem bancou todo o projeto foi um banco privado (que por sua vez leva sua marca em todas as bicicletas). Já a construção de novas ciclovias - essa sim, uma responsabilidade da Prefeitura - continuam paralisadas.

Mas é na política de transporte público que a linhagem neoliberal desse governo fica ainda mais acentuada. O secretário responsável pela pasta, José Carlos Aleluia, é considerado um dos membros mais conservadores e autoritários da atual gestão. Foi ele quem bateu boca e quase agrediu fisicamente manifestantes que, durante as mobilizações de junho de 2013, desejavam entregar uma pauta de reivindicações à Prefeitura.

A máfia dos transportes encastelou-se de vez no Palácio Tomé de Souza. Uma nova licitação para a concessão de linhas de ônibus para os próximos trinta anos foi aberta, mas elaborada de forma a assegurar que apenas as atuais empresas poderiam sair vitoriosas, dentre muitas outras irregularidades encontradas. Essa licitação recebeu inúmeras críticas de especialistas, dos movimentos sociais e de vereadores da oposição, mas o secretário e o prefeito vêm mantendo pé firme e não abrem mão da medida.

A Prefeitura ainda pretende privatizar a estação da Lapa, maior da capital e por onde circulam mais de 500 mil pessoas por dia. O argumento é que a iniciativa privada terá melhores condições de gerir o espaço, que hoje sofre com o completo abandono. É o típico movimento neoliberal: deixa o equipamento público ficar sucateado, não toma nenhuma medida concreta para melhorar o serviço prestado e depois utiliza as más condições oferecidas (que são resultado da negligência do próprio poder público) como justificativa para transferir uma responsabilidade da Prefeitura para empresas privadas.

E para completar o pacote de maldades no transporte público, recentemente a Secretaria de Serviços Públicos cancelou 16 linhas de ônibus na cidade. Quase todas levavam a bairros da periferia e atendiam a parcela mais pobre da população.

Conquistas históricas do povo soteropolitano também estão sendo jogadas no lixo. Depois de anos sem pagar estacionamento nos shoppings centers, uma determinação judicial assegurou a esses estabelecimentos o retorno da cobrança, em um processo em que a Prefeitura é acusada de ter feito corpo mole e pouco se movimentado para defender os interesses da cidade. Curiosamente, dois dos três maiores doadores privados da campanha que elegeu ACM Neto são shoppings centers: o Salvador Shopping e o Salvador Norte doaram, respectivamente, R$ 130 mil e R$ 70 mil à candidatura do demista. Seria mais uma “coincidência”?

A última malandragem da administração municipal veio no grandioso Réveillon da capital baiana. Como bom engenheiro de obras prontas, ACM Neto praticamente ignorou na publicidade oficial o apoio dado pelo governo do estado para a realização da festa, com o claro intuito de capitalizar sozinho e sair como o único responsável pelo evento.

E mais: como boa parte da população começou a criticar os excessivos gastos com a mega estrutura montada e com os altos cachês pagos aos artistas, o prefeito argumentou que havia conseguido captar todos os recursos com a iniciativa privada e, é claro, fez muita propaganda da “competência” do governo da cidade em fazer uma grande festa sem onerar os cofres públicos.

Ele só não esperava ser pego na mentira por uma matéria publicada no jornal “Folha de São Paulo”. De acordo com a publicação, apenas cerca da metade do cachê de cantores como Caetano Veloso e Gilberto Gil - que receberam R$ 600 mil cada um - foi pago pelos patrocinadores. O resto saiu da Prefeitura. Ou melhor, do bolso dos soteropolitanos.

ACM Neto se aproveita ao máximo da postura republicana e democrática do governador Jaques Wagner e da presidenta Dilma Rousseff. Em que pese as profundas diferenças políticas, os governos estadual e federal têm empenhado importantes recursos na cidade e apoiado todos os projetos da Prefeitura. Uma postura muito diferente da que teve o avô do atual prefeito quando Lídice da Mata governava a cidade. ACM, governador na época, bloqueou todos os recursos que deveriam ser repassados para a Prefeitura e promoveu um boicote sem precedentes àquela gestão, o que incluiu uma grande campanha midiática contra a prefeita.

Por sua vez, os setores populares, movimentos sociais e partidos de esquerda ainda não assimilaram totalmente o significado dessa nova fase da luta política em Salvador. É preciso identificar as razões da derrota em 2012, promover a autocrítica necessária e fazer aquilo que essas forças sabem fazer de melhor - e fizeram muito bem nos duros anos de oposição ao carlismo: dialogar com o povo da cidade, tocar seu coração e conquistar a sua confiança.

* É membro do Comitê Estadual do PCdoB na Bahia

Sobre 2014 só há uma certeza: a luta pela reeleição de Dilma

José Reinaldo Carvalho *

O senso comum dirá que até junho-julho, quando se realizam as convenções partidárias, “muita água vai rolar debaixo da ponte”. Os catastrofistas afirmarão que a situação é incerta, o país está sob “ameaça de convulsão social”, “à beira de uma crise econômica” e “as instituições correm perigo”, o que justificaria postergar decisões estratégicas.


Outros argumentarão com a Copa, “que pode até não acontecer” e nesse caso “nada se pode prever quanto à equação da disputa eleitoral”. Por seu turno, políticos que encaram a situação segundo o prisma exclusivamente local, do grupo a que pertence ou de interesses estritamente pessoais, invocam esta diversidade de interesses para justificar a incerteza.

O Brasil é de fato um País megadiverso também na política e é natural que as decisões sobre a formação de coligações eleitorais estaduais fiquem para a 25ª hora. É habitual que as convenções partidárias, que deveriam ser de jure e de facto órgãos de soberania e democracia orgânica para deliberar sobre candidaturas e alianças, deleguem poderes às comissões executivas estaduais, que estendem até o último prazo legal os entendimentos e tratativas sobre a constituição definitiva das chapas.

Mas nada disso apaga uma certeza, talvez a única que se possa ter nesta altura de janeiro. A luta pela quarta vitória do povo – a reeleição da presidenta Dilma Rousseff – é a suprema tarefa da esquerda e de todas as forças consequentemente democráticas e patrióticas do País em 2014. A candidatura da presidenta à reeleição é inamovível e contará com o apoio das forças consequentes da esquerda e das forças patrióticas de centro. Não se pode nem se deve semear dúvidas quanto a isso: os comunistas e a esquerda consequente não cogitam apoiar qualquer outra candidatura presidencial de outro campo, mesmo que se reivindique como "leal a Lula" e se apresente como de centro-esquerda, amiga do empresariado nacional, desenvolvimentista, democrática, frentista e progressista. 

Isto porque o Brasil não pode retroceder em nome de percorrer enganosos atalhos. Dez anos depois da instalação do primeiro governo democrático e popular encabeçado pelo ex-presidente Lula, a nação é mais democrática, fez mais esforços pela justiça social, tornou-se fator de peso na luta por uma nova ordem mundial, converteu-se em um dos pilares da integração soberana dos povos latino-americanos, um dos principais aliados da Revolução cubana e da Revolução bolivariana. Portanto, nem um passo atrás.

Garantidas estas posições fundamentais, há que preparar o avanço, pavimentar o caminho da luta pelas reformas estruturais, e por outra política macroeconômica, capaz de escapar às pressões, armadilhas e condicionamentos da oligarquia financeira internacional. Para isso, é indispensável a união do povo brasileiro em torno de uma plataforma progressista, democrática, popular, patriótica, sob a liderança da presidenta Dilma.

Tem efeitos deletérios para o avanço progressista do país a subtração de forças da coalizão liderada pela presidenta Dilma e a adesão a projetos sabidamente vinculados a programas de forças ideologicamente comprometidas com o anticomunismo e visceralmente confrontadas com a esquerda, como o PPS – permanente linha auxiliar de Serra - e a Rede, esta última com o agravante de ser comprometida com interesses alienígenas.

A quarta vitória do povo é a eleição da Dilma, disso não cabem duvidas, nem a isso se podem opor disfarces eufemísticos. O engajamento das forças de esquerda com este objetivo confronta-as com os adversários objetivamente alinhados na oposição. Aecio Neves, do PSDB, arauto do neoliberalismo e do neoconservadorismo, viúva de FHC, aparece no momento como adversário principal. 

De Eduardo Campos (PSB), antigo aliado de Lula e Dilma, hoje na oposição, e de Randolfe Rodrigues, do PSOL, força dissidente do PT, espera-se no primeiro turno um embate programático de alto nível e o compromisso de apoiar as forças progressistas contra as do atraso, se houver segundo turno. 

Para além disso, é necessário persistir na batalha de ideias e no empenho político e orgânico pela constituição de uma frente de afinidades de esquerda, formada por partidos políticos, personalidades e movimentos populares. 

É hora de recordar os antigos líderes – Amazonas, Brizola e Arraes – para os quais a unidade é a bandeira da esperança. 

* Jornalista. Diretor de Comunicação do Cebrapaz e membro da Comissão Política do CC do PCdoB.

SP: usuários de crack iniciam trabalho de limpeza na Cracolândia

Dezenas de usuários de crack começaram, na manhã de quinta-feira (16), a trabalhar na região da Cracolândia por meio do programa Operação Braços Abertos, da Prefeitura de São Paulo. Uniformizados com roupas entregues pela administração municipal, os dependentes químicos farão o trabalho de zeladoria da região, principalmente na limpeza de ruas, calçadas e praças e se mostraram empolgados com a nova chance de vida.


 Usuário fazem fila antes de começarem o trabalho de limpeza
 Usuário fazem fila antes de começarem o trabalho de limpeza da Cracolândia, em São Paulo. Foto: Thiago Tufano / Terra
Desde a última terça-feira (15), as secretarias de Saúde, Trabalho, Assistência Social e Segurança Urbana estão ajudando os usuários a desmontar os barracos construídos nas ruas Helvétia e Dino Bueno e encaminhando as pessoas a hotéis da região. Esses dependentes receberão alimentação, trabalho e R$ 15 por dia.

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A todo momento os trabalhadores gritavam: "estou famoso", e posavam para as câmeras das dezenas de jornalistas presentes nesta quinta-feira.

Rogério Araújo Nascimento, 33 anos, foi um dos primeiros a vestir o uniforme e se colocar à disposição dos assistentes sociais, que acompanharam os grupos de cerca de dez dependentes durante a jornada de trabalho. Ele disse que a primeira coisa que deve fazer quando receber seu “salário” será comprar roupas.

“Algumas (pessoas) vão querer comprar crack, mas para mim não faz diferença. Seria melhor se ficasse guardado e eu recebesse depois. Antes eu não guardava. Mas aqui vou trabalhar, vou cansar de comer e dormir. Vou guardar para comprar roupa e cuidar de mim, ter uma vida melhor”, disse Rogério.

De acordo com o prefeito Fernando Haddad, a oportunidade está sendo dada às pessoas que vivem na região.

“Eles têm que retomar a confiança que havia sido perdida em função da enorme violência da região. Em dois dias conseguimos mudar a cara da região e integrá-los em uma frente de trabalho com tratamento médico, que é o que pode construir um novo horizonte para esse pessoal”, disse Haddad, que falou com diversos dependentes antes de começarem a trabalhar.

Quando questionado se havia preocupação de “espalhar” a Cracolândia por outras regiões da cidade, como aconteceu em uma operação há dois anos, Haddad afirmou que isso não deve acontecer pois essas pessoas não estão sendo expulsas.

“Estamos integrando elas a um programa de trabalho e saúde. A parte assistencial foi muito bem conduzida e agora entra a parte de saúde e trabalho. O trabalho é para que tenham uma condição de dignidade, para comprar um sapato, uma meia, pasta de dente, coisa mínima. Os centros de apoio darão oportunidade de tratamento de saúde e boa parte vai conseguir deixar a droga“, disse.

Para o prefeito, o trabalho irá demorar para ser solucionado, mas necessitava de uma ação da administração municipal. Haddad disse ainda que conversou com o governador Geraldo Alckmin e que governo do estado está apoiando a operação.

“Isso não se faz da noite pro dia porque são muitos anos de drogadição, mas eles terão força de vontade pra sair. Aqueles que pedirem um tratamento mais forte, o governo do estado colocou leitos à disposição. Foi conversado longamente com o próprio governador que por horas explicamos qual era a estratégia da Prefeitura e tivemos o apoio. Não podemos em três dias resolver um problema de dez anos. Temos que ter paciência porque não podemos fazer isso com violência”, explicou.

Fonte: Portal Terra via Vermelho

Álcool mata 80 mil por ano nas Américas, alerta OMS

Cerca de 80 mil mortes por ano nas Américas poderiam ser evitadas se não houvesse consumo de álcool, de acordo com estudo da Organização Pan-Americana da Saúde/Organização Mundial da Saúde (OPAS/OMS) que aparece na edição atual da revista científica Addiction.


Foto: Agência USP

O estudo da assessora da OPAS/OMS de informação e análises de saúde, Vilma Gawryszewski, e da assessora sênior em abuso de substâncias e álcool, Maristela Monteiro, se concentrou nos padrões de mortes relacionadas com o álcool entre 2007 e 2009 em 16 países. As autoras examinaram dados somente dos casos em o álcool foi especificamente mencionado – como doenças do fígado vinculadas ao álcool e distúrbios mentais e de conduta por causa do consumo de álcool.

Elas descobriram que o álcool foi a causa “necessária” – que a morte não teria ocorrido sem a ingestão de bebida – numa média de 79.456 casos por ano.

Segundo as autoras, isso representa apenas “a ponta do iceberg de um problemas mais amplo”, já que o álcool está relacionado com uma ampla gama de doenças e condições, incluindo doenças cardíacas e cerebrais vasculares, ferimentos com armas de fogo, suicídios e até alguns tipos de câncer.

A pesquisa mostra uma grande variação no número de mortes de acordo com os países. A maior taxa é de El Salvador (cerca de 27,4 a cada 100 mil mortes anuais), Guatemala (22,3), Nicarágua (21,3), México (17,8) e Brasil (12,2). Na outra ponta estão Colômbia (1,8), Argentina (4), Venezuela (5,5), Canada (5,7) e Costa Rica (5,8). Entretanto, o consumo de álcool é maior nos países com menores taxas de mortalidade.

O risco também varia por idade. No Brasil, Equador e Venezuela, por exemplo, as taxas começam a aumentar na faixa dos 40 a 49 anos, seguem estáveis e depois caem entre os indivíduos com mais de 70.

O documento destaca que mortes relacionadas ao álcool podem ser evitadas com políticas e intervenções que reduzam o consumo, incluindo restrições sobre disponibilidade, aumento de preços por meio de impostos e regulação da propaganda. A região, porém, é “fraca” nas políticas de resposta ao problema.

Fonte: ONU Brasil via Vermelho

Rosa Luxemburgo: A Rosa Vermelha do Socialismo

No último dia 15 de janeiro, completam-se 95 anos da morte de Rosa Luxemburgo, ocorrida de forma covarde durante conflitos de classe que se acirravam com a formação da República alemã, com forte atuação de setores revolucionários que se animavam com as vitórias do proletariado na Rússia.
Neste mês se completam 95 anos do brutal assassinato da comunista polonesa Rosa Luxemburgo. Ela foi uma combatente de primeira hora contra o revisionismo teórico que irrompeu no interior da social-democracia alemã. Condenou duramente o oportunismo de direita que ganhava corpo nas direções dos sindicatos alemães, e defendeu a experiência da revolução russa de 1905, especialmente o uso da greve geral como instrumento importante na luta revolucionária. Quando se iniciou a Primeira Grande Guerra Mundial e ocorreu a traição da maioria dos dirigentes da II Internacional, Rosa se colocou ao lado de Lênin contra a guerra imperialista e na defesa da revolução socialista. Foi fundadora do grupo spartakista que daria origem ao Partido Comunista da Alemanha. Após sua trágica morte, Lênin fez uma pungente homenagem à águia polonesa, heroína do proletariado mundial, no discurso de abertura do congresso de fundação da III Internacional.
O ATO FINAL
Era 15 de janeiro de 1919 e as ruas de Berlim estavam tensas. Por toda parte viam-se os vestígios dos combates dos dias anteriores. As tropas do exército alemão e os grupos paramilitares, os “corpos livres”, desfilavam imponentes pelas ruas da cidade morta.
A insurreição parecia ter chegado ao seu final. Uma batalha havia sido perdida, mas não a guerra. Assim pensavam Rosa e Karl Liebknecht, quando foram sequestrados e levados ao Hotel Éden para averiguações. De lá deveriam seguir para a prisão, onde se encontravam centenas de operários revolucionários. Contudo, o cortejo faria outro caminho, que não era o da prisão nem o do exílio. A burguesia e os generais alemães já haviam decretado a sentença. Os dois foram conduzidos ao zoológico municipal onde terminariam assassinados. Decerto, alguém se perguntava: “Quantos tiros seriam necessários para matar o sonho da revolução alemã? No zoológico de Berlim quem seriam os animais?”.
Mais tarde, sem identificação, dois corpos seriam jogados nas águas frias do canal Landwher. A reação não queria deixar provas do horrendo crime que cometera, mas todos sabiam quem eram os seus autores. Rosa Luxemburgo e Karl Liebknecht estavam mortos, mas a história que construíram se manteria viva na consciência dos comunistas de todo o mundo.
Passados alguns anos, Brecht escreveria o seu epitáfio:
Aqui jaz
Rosa de Luxemburgo
Judia da Polônia
Vanguarda dos operários alemães
Morta por ordem
Dos opressores.
Oprimidos,
Enterrai as vossas desavenças!
OS PRIMEIROS PASSOS
Quem se prendesse apenas à sua origem social decerto não poderia entender como aquela menina, nascida em 5 de março de 1871, filha de uma abastada família de judeus poloneses, havia se transformado na Rosa Vermelha, destacada dirigente do movimento comunista internacional.
Contudo, o ambiente efervescente reinante na Polônia, então dominada pela Rússia czarista, estava levando muitos jovens, como ela, a se engajarem em movimentos contestatórios e mesmo revolucionários. Primeiro, aderindo às lutas estudantis contra as estruturas repressivas mantidas nas escolas polonesas, e depois ingressando nos combates políticos contra a opressão russa e pelo socialismo. Este também foi o caminho seguido pela irrequieta Rosa.
Em 1889, com apenas 19 anos, ela se viu obrigada a deixar a sua Polônia e refugiar-se em Zurique, onde concluiu os seus estudos, doutorando-se em Economia. No exílio, em 1894, juntamente com seu companheiro Leo Jogiches, ajudou a fundar o Partido Social-Democrata da Polônia. Pouco a pouco, Zurique se tornava calma e pequena demais para os grandes planos e a personalidade agitada de Rosa. Por isso, em 1898, mudou-se para o centro da luta de classes do momento, o coração da revolução europeia: a Alemanha.
REFORMA E REVOLUÇÃO
Ao chegar, ingressou imediatamente ao Partido Social-Democrata Alemão (PSDA), o maior partido operário do Ocidente, e logo se viu envolvida na grande polêmica do momento, que podia ser resumida num único e decisivo dilema: reforma ou revolução?
O crescimento relativamente pacífico do capitalismo alemão e a conquista de maiores liberdades democráticas propiciaram avanço eleitoral sem precedente à social-democracia. Isto levou muitos dirigentes partidários a acalentarem esperanças de que haveria outra alternativa para a conquista do socialismo que não fosse o caminho revolucionário. O principal teórico dessa via reformista foi Bernestein, dirigente do PSDA e, até então, considerado herdeiro de Engels do qual havia sido amigo.
Ele apregoava que a tendência do capitalismo não era a monopolização crescente da economia, como afirmava Marx, e sim sua democratização através do aumento do número de proprietários, graças à introdução das sociedades por ações. Isso levaria a um fortalecimento das classes médias e não à sua redução. Seriam eliminadas, assim, as previsões “catastróficas” de Marx sobre a polarização crescente da sociedade e o choque inevitável entre burgueses e proletários. O desenvolvimento do capitalismo não levaria necessariamente às crises periódicas, pois ele mesmo estava criando antídotos, através da melhor organização da produção e do planejamento econômico.
Dentro dessa perspectiva, Bernestein elaboraria uma nova tática, que supervalorizava as lutas parlamentar e sindical. Segundo ele, seria através do voto que o trabalhador se elevaria “da condição social de proletário para aquela de cidadão”. A luta sindical por melhores condições de trabalho e salários seria o instrumento privilegiado para conduzir a sociedade capitalista, através das reformas econômicas, para o socialismo democrático. Na verdade, essas reformas já seriam a própria realização molecular da nova sociedade socialista. É dele a famosa frase: “o movimento é tudo e o fim nada significa”.
Rosa foi uma das primeiras a se insurgir contra tais teses, que contradiziam a essência do marxismo revolucionário, escrevendo, em 1899, uma das mais belas obras contra o revisionismo do seu tempo: Reforma Social ou Revolução?. Neste texto são desmanteladas, com maestria, uma a uma as teses reformistas. Contribuindo, assim, para que elas fossem rejeitadas pela maioria do partido, embora essas ideias continuassem a exercer grande influência sobre vários de seus dirigentes.
O objetivo final do socialismo, afirmava Rosa, “é o único elemento decisivo na distinção entre o socialista e o radical burguês”. A política apregoada por Bernestein “visava a uma única coisa: conduzir-nos ao abandono do objetivo último, a revolução social, e, inversamente, fazer da reforma social, de simples meio de luta de classes, em seu fim”. Rosa, portanto, não negava o papel das reformas, mas acreditava que “entre a reforma e a revolução devia haver um elo indissolúvel” no qual “a luta pela reforma é o meio e a revolução social é o fim”.
As críticas contundentes e mordazes da pequena Rosa mostram muito bem a sua coragem e o seu espírito revolucionário. Poucos no partido, naquele momento, ousariam desafiar a autoridade de Bernestein, muito menos compará-lo a um radical burguês. As teses de Bernestein foram criticadas nos congressos da social–democracia alemã de Hannover (1899) e Lubeck (1901). No congresso de Dresden, em 1903, o principal dirigente social-democrata alemão August Bebel apresentaria uma dura moção que afirmava: “O Congresso condena de maneira mais decidida o intento revisionista de alterar a nossa tática, posta a prova várias vezes e vitoriosa, baseada na luta de classes (...). Se adotássemos a política revisionista nos constituiríamos em um partido que se conformaria apenas com a reforma da sociedade burguesa”. O Congresso da Segunda Internacional de 1904, em Amsterdã, também foi marcado por este debate e, novamente, as teses revisionistas foram derrotadas. Mas, seus adeptos continuaram no partido e na Internacional, inclusive na sua direção, e ali esperariam nova oportunidade para retomar a ofensiva.
Em 1904, intervindo numa polêmica da social-democracia russa, Rosa de Luxemburgo fez críticas ao modelo organizativo proposto por Lênin, baseado nos revolucionários profissionais e na necessidade de implantação de uma rígida disciplina, que tinha como referência o modelo adotado nas fábricas capitalistas. Contudo, Rosa julgava as propostas do revolucionário russo tendo como ponto de referência a Alemanha e não a Rússia czarista. A fórmula organizativa de Lênin  correspondia à situação política vivida no seu país, onde todas as organizações operárias e socialistas eram ilegais e duramente perseguidas. Portanto, a realidade russa impunha uma organização clandestina e rigidamente centralizada. Apesar da crítica feita à política organizativa de Lênin, um ano depois estava ao lado dele na defesa da experiência da revolução russa de 1905 e do instrumento da greve geral. Rosa passava a estruturar a ala esquerda do PSDA.
CONTRA A BUROCRACIA SINDICAL
A social-democracia alemã já havia desenvolvido a compreensão de que o partido revolucionário era uma forma superior de organização da classe operária. Era o partido, como vanguarda da classe, que deveria dar direção política às organizações sindicais e populares.
August Bebel, um dos principais dirigentes da social-democracia alemã, havia dito: “Não é da ação sindical que devemos esperar a tomada de possessões dos meios de produção. É preciso, antes de tudo, tomar o governo que monta guarda ao redor da classe capitalista”. Isto só poderia ser conseguido através da luta político-revolucionária, dirigida pelo partido social-democrata. Essa ideia passaria a ser corroída nos anos seguintes, quando ocorreu a burocratização dos sindicatos.
O aumento do número de operários sindicalizados, somado ao crescimento da economia capitalista alemã que possibilitou aos patrões fazerem maiores concessões aos trabalhadores, permitiu a construção de poderosas máquinas sindicais – com sedes, gráficas, editoras, clubes e inúmeros funcionários – e a acumulação de vultosos fundos financeiros. Alguns grandes sindicatos chegaram a criar bancos.
Não sem razão, as direções dos sindicatos alemães foram tomadas de verdadeiro pavor quando a revolução russa de 1905 veio a ameaçar o curso do desenvolvimento “pacífico” do capitalismo alemão. O órgão oficial da central sindical social-democrata logo afirmou: “Não somos de nenhum modo partidário das demonstrações de rua”. O congresso sindical realizado em Colônia chegou mesmo a aprovar uma resolução contrária à utilização da greve geral como instrumento de pressão operária contra o Estado e os patrões. Para os burocratas sindicais, qualquer ação mais ampla e radical das massas operárias levaria, necessariamente, à repressão e a uma desorganização dos sindicatos.
Rosa fez duras críticas aos dirigentes sindicais, apontando as causas do seu reformismo. “Os funcionários sindicais”, afirma ela, “tornaram-se vítimas da burocracia e de certa estreiteza de perspectiva devido à especialização da sua atividade profissional e à mesquinhez dos seus horizontes, resultado de um fracionamento das lutas econômicas em período de calmaria. Esses dois defeitos manifestam-se em diversas tendências que podem ser fatais para o futuro do movimento operário. Uma delas consiste em sobrevalorizar a organização transformando-a, pouco a pouco, num fim em si mesmo e considerando-a um bem supremo a que os interesses da luta devem ser subordinados. Assim se explica (...) essa hesitação ante o fim incerto das realizações de massas e enfim a sobrevalorização da própria luta sindical”.
Quando o Congresso do PSDA realizado em Jena aprovou uma resolução insinuando a possibilidade de utilização da greve geral, de maneira defensiva e em casos excepcionais, os líderes sindicais não perderam tempo em apregoar a necessidade da independência dos sindicatos em relação ao Partido e ratificaram sua posição antigreve. Legien, o principal dirigente sindical da social-democracia alemã, afirmou: “para os sindicatos o que conta não é a resolução tomada no Congresso de Jena, mas a tomada em Colônia”, contrapondo o congresso sindical ao partidário.
Rosa seria uma das principais críticas desse oportunismo sindicalista. “Os sindicatos”, afirmaria ela, “representam o interesse de grupos particulares (...). A social-democracia representa a classe operária e os interesses gerais de sua emancipação (...). As ligações dos sindicatos com o Partido Socialista são as de uma parte com o todo”. A chamada “igualdade de direito” entre sindicatos e o Partido Socialista não seria “um simples mal-entendido, uma simples confusão teórica, mas exprimiria uma tendência bem conhecida da ala oportunista”.
Defendendo o ponto de vista predominante no seio da social-democracia, ela se colocou contra o fato “monstruoso” de que nos congressos do partido e dos sindicatos os militantes socialistas estivessem fazendo aprovar resoluções não apenas diferentes como opostas. Para solucionar o impasse ela propôs “subordinar de novo os sindicatos ao partido, para o interesse próprio das duas organizações. Não se trata de destruir a estrutura sindical no partido, trata-se de estabelecer entre as direções do partido e os sindicatos (...) uma relação entre o movimento operário em seu conjunto e o fenômeno particular e parcial chamado sindicato”. Alguns anos mais tarde os comunistas mudariam essa formulação que subordinava formalmente os sindicatos ao partido político de vanguarda, mas manteriam a visão de que a luta política revolucionária era superior à luta corporativo-sindical.
A contradição entre as direções dos sindicatos e do partido só existiu enquanto a maioria da direção partidária se manteve à esquerda da direção sindical. Com a vitória das teses revisionistas e reformistas no interior do próprio partido, as relações entre essas duas instâncias tenderam a se harmonizar numa política de caráter antirrevolucionário.
A FALÊNCIA DA II INTERNACIONAL
A história da luta de classe trilha caminhos tortuosos e contraditórios: as vitórias eleitorais e sindicais do PSDA somente reforçaram as posições reformistas no seu interior. Em 1912 o partido obteve mais de 4 milhões de votos, elegendo 110 deputados, tornando-se a maior bancada no parlamento alemão. Dois anos depois, quando do início da Primeira Guerra Mundial, as posições de direita já haviam conquistado a maioria das direções da social-democracia alemã e europeia. Estas acabaram renegando todas as suas resoluções anteriores, colocando uma pedra sobre o seu passado revolucionário, ao votarem favoravelmente aos créditos para a guerra imperialista. “Desde 4 de agosto de 1914”, afirmou Rosa, “a social democracia alemã é um cadáver putrefato.”
Rosa acabou sendo presa em 1915 devido ao pronunciamento de um violento discurso contra a guerra e o imperialismo. Na prisão, escreveria o texto A crise da social-democracia, mais conhecido por Folheto Junius, que seria saudado por Lênin como sendo um “esplêndido trabalho marxista”. No mesmo período também escreveria Teses sobre as tarefas da social-democracia internacional, que deveria ser uma contribuição da esquerda social-democrata alemã à Conferência Internacional de Zimmerwald. Ali, a esquerda e o centro social-democrata procuraram se articular contra a sua ala direita e a favor da paz mundial.
Nas suas teses, Rosa afirmaria: “A guerra esmagou a Segunda Internacional (...). Os representantes oficiais dos partidos socialistas dos principais países traíram os objetivos e interesses da classe operária (...) e passaram para o campo do imperialismo. Assim, constitui uma necessidade vital para o socialismo criar uma nova internacional operária, que tome em suas mãos a direção e coordenação das lutas revolucionárias de classe contra o imperialismo internacional”. Solta no início de 1916, ela continuaria seu trabalho revolucionário – o que lhe custaria nova prisão menos de seis meses depois de sua libertação.
Em 1916 realizou-se uma conferência da esquerda social-democrata alemã que se decidiu pela publicação de um periódico chamado Spartacus, nome pelo qual ficaria conhecido o grupo liderado por Rosa e Karl Liebknecht. Em 1º de maio o grupo Spartacus procurou organizar uma manifestação contra a guerra imperialista. O resultado foi a prisão de Karl, acusado de traição à pátria. Os dois revolucionários alemães ficariam presos até que a revolução de 1918 viesse a libertá-los.
Em 1917, rompidos com o PSDA, os centristas, liderados por Kautsky, e a esquerda formavam outra organização política: o Partido Social-Democrata Independente (PSDI). Apesar de possuir um programa internacionalista e antibelicista, graças à atuação dos centristas, o novo partido atuava de forma vacilante e defensiva diante da direção do PSDA.
ROSA E A REVOLUÇÃO RUSSA
Em 1918, Rosa escreveria uma série de artigos nos quais defendia a revolução socialista na Rússia, que estava sob ataque cerrado da direita e do centro social-democrata, inclusive do centrista Kautsky. A capacidade bolchevique de vencer todas as dificuldades impostas pela contrarrevolução a empolgava: “Os bolcheviques têm demonstrado que podem fazer tudo o que um partido verdadeiramente revolucionário pode fazer nos limites de suas possibilidades históricas. Não procuram fazer milagres. E seria um milagre uma revolução proletária modelar impecável num país isolado, esgotado pela guerra, premido pelo imperialismo, traído pelo proletariado internacional (...). E é nesse sentido que o futuro pertence em toda parte ao ‘bolchevismo’”.
O apoio irrestrito à revolução não a impediu de fazer várias críticas às medidas revolucionárias adotadas pelos bolcheviques. Uma parte delas estava impregnada por certo esquerdismo teórico. Rosa, por exemplo, menosprezava a necessidade da aliança com os camponeses pobres e não compreendia a proposta de Lênin em relação às nacionalidades oprimidas. Ela negava a necessidade de incluir no programa dos revolucionários russos o direito à autodeterminação dos povos que estavam sob o domínio do antigo império czarista. Considerava estas propostas como concessões perigosas aos nacionalismos das burguesias locais. A maior parte das objeções seria revista no ano seguinte, quando ela saiu da prisão e pôde ter maior contato com a experiência soviética.
A crítica merecedora de maior atenção é aquela que tratava do processo de construção da ditadura do proletariado, que acreditava ser simples sinônimo de democracia socialista. Ela se preocupava com algumas medidas repressivas tomadas pelo governo soviético contra membros de organizações que considerava socialistas, ainda que equivocadas. Afirmou Rosa: “abafando a vida política em todo o país, é fatal que a vida no próprio soviete seja cada vez mais paralisada. Sem eleições gerais, sem liberdade ilimitada de imprensa e de reunião, sem luta livre de opiniões, a vida morre em todas as instituições públicas, torna-se uma vida aparente, onde a burocracia resta como único elemento ativo (...). Algumas dezenas de chefes de uma energia infatigável e de um idealismo sem limites dirigem o governo e, entre eles, o que governam de fato são uma dezena de cabeças eminentes, enquanto uma elite da classe operária é convocada de tempos em tempos para reuniões com o fim de aplaudir os discursos dos chefes e de votar unanimemente as resoluções que lhes são apresentadas (...). Ainda mais: tal estado de coisas deve provocar necessariamente uma ‘barbarização’ da vida pública, atentados, fuzilamentos de presos etc. ”
Rosa não conhecia as particularidades do desenvolvimento da luta de classes na Rússia pós-revolução, por isso tendia a subestimar o papel desempenhado pelas forças contrarrevolucionárias internas, em muitos casos apoiadas por partidos ligados à II Internacional, que ainda se diziam socialistas. As medidas restritivas à democracia operária, tomadas pelos bolcheviques, também poderiam ser debitadas às difíceis condições em que vivia a jovem Rússia soviética entre 1918 e 1921, cercada e ocupada por diversas potências imperialistas.
A verdadeira tragédia está no fato de que as medidas discricionárias que deveriam ser provisórias, necessárias numa fase de consolidação do socialismo contra a reação armada interna e externa, se transformaram em políticas de Estado, realizando assim algumas das previsões de Rosa sobre o futuro da democracia socialista na Rússia. Se a crítica de Rosa se encontrava desfocada naqueles primeiros anos da revolução, cairia como luvas para as novas condições formadas na segunda metade da década de 1930.
A REVOLUÇÃO ALEMÃ DE 1918
Na Alemanha, pouco a pouco o sentimento nacionalista dos primeiros dias do conflito mundial foi substituído pela revolta. Os operários começavam a se agitar diante do alistamento militar forçado, os constantes cortes nos salários e os racionamentos de alimento. Não tardou e o descontentamento chegou às tropas, principais vítimas da guerra. Em junho de 1917, os marinheiros se rebelaram e foram violentamente reprimidos, com aval do PSDA.
Ainda nas prisões os espartaquistas conclamaram: “não há senão um meio de deter a carnificina dos povos e alcançar a paz: é desencadear uma luta de massas que paralise toda a economia e a indústria bélica, é instaurar através da revolução, liderada pela classe operária, uma República popular na Alemanha”.
A vitoriosa Revolução de Outubro na Rússia apenas serviria para acirrar os ânimos. Nas frentes de batalha os soldados se confraternizavam; nas cidades as greves multiplicavam-se e formavam-se conselhos de operários e soldados, seguindo o modelo soviético. O governo e a monarquia foram colocados em xeque pelas massas insurgentes. Em 9 de novembro de 1918, irrompeu uma rebelião em Berlim e o próprio PSDA foi obrigado, pela pressão dos operários, a aderir ao movimento. Os soldados recusaram-se a cumprir ordens dos oficiais e uniram-se ao povo. A revolução operária e popular vencia o primeiro round. E agora?
O governo oligárquico desabou feito um castelo de cartas. O imperador Guilherme III abdicou e entregou o poder ao chanceler Max Baden. Este, por sua vez, passou o bastão para as mãos do social-democrata Friedrich Ebert. Muitos achavam que a revolução havia chegado ao fim. Foi dentro desse espírito que Ebert lançou sua conclamação: “Cidadãos, peço-lhes que abandonem as ruas, cuidem da tranquilidade e da ordem”. Enquanto isso, outro membro de seu partido, Scheidemann, proclamava a República. A poucos metros dali uma multidão de operários se concentrava para ouvir Karl Liebknecht, recém-libertado da prisão, que afirmava a necessidade do estabelecimento da República alemã. Não uma República burguesa, disfarçada de República social, mas uma República socialista.
Ebert então se apressou a formar o novo governo do qual participariam o PSDA e a ala direita do Partido Social-Democrata Independente. A pressão popular impediu a entrada de membros dos partidos burgueses responsáveis pela guerra. Liebknecht foi convidado a participar, mas impôs uma condição: que todo poder fosse entregue aos conselhos operários – o que evidentemente não foi aceito. Então os espartaquistas, fora do governo, resolveram continuar com os seus preparativos de insurreição.
“Nós pedimos, pelo contrário, que ninguém abandone as ruas e que todos permaneçam armados. A conclamação do novo chanceler, que substituiu o derrotado imperador, procura enviar as massas para os seus lares para melhor poder estabelecer a velha ordem das coisas. Operários, soldados: permanecei alerta!”, conclamavam os spartaquistas. A luta atingiu outro patamar, a burguesia se escondia por detrás de um “partido operário”, justamente o partido que havia pertencido Marx e Engels.
No dia 16 de dezembro, o Conselho Nacional, que congregava todos os conselhos operários, dominados pelo PSDA, decidiu entregar o poder à Assembleia Nacional Constituinte que seria eleita em janeiro. A mesma coisa que haviam feito os mencheviques na Rússia. Diante da capitulação do Partido Social-Democrata Independente, que aceitara participar do governo e a submissão à futura Constituinte, os espartaquistas romperam a unidade e fundaram o Partido Comunista da Alemanha (PCA). Outras decisões tomadas pelos comunistas foram: não participar da eleição para a Assembleia Nacional Constituinte e continuar os preparativos para a insurreição armada. Especialmente essas duas últimas posições não correspondiam à real correlação de forças existente na Alemanha, por isso tanto Rosa como Karl mostraram-se reticentes em relação a elas.
No início de 1919, um ato de provocação do governo precipitou os acontecimentos. Marinheiros amotinados foram brutalmente reprimidos pelo exército. Em resposta, os operários tomaram as ruas. O chefe da polícia, ligado à esquerda do PSI, recusou-se a reprimir as manifestações e foi demitido do cargo. O PCA e a esquerda do PSI se uniram e convocaram manifestações de protestos contra Ebert-Scheidemann. Uma multidão invadiu o distrito da imprensa, onde se encontravam os jornais reacionários. Naquela mesma noite, o PCA decidiu-se pela insurreição geral. Em 9 de janeiro, num ato inesperado, os operários espartaquistas tomaram o Reichstag (parlamento alemão), mas foram rapidamente desalojados pelo exército. Depois de cinco dias de violentos combates de rua, a insurreição foi derrotada. No dia 15, em meio à avaliação do movimento, Rosa e Liebknecht foram sequestrados e assassinados por militares. Ao final do seu último artigo Rosa escreveu: “‘A ordem reina em Berlim’, Esbirros estúpidos! Vossa ‘ordem’ é um castelo de areia. Amanhã a revolução se levantará de novo clamorosamente, e para espanto vosso proclamará: Era, sou e serei”.
EPÍLOGO
Após a sua morte, Rosa passou a ser o alvo de violentas críticas, em especial dos dirigentes da social-democracia internacional. Em sua defesa vieram as palavras firmes de Lênin:
  “A esses (críticos) responderemos com um velho ditado russo:
  ‘Às vezes as águias descem
  e voam entre as aves do quintal,
  mas as aves do quintal jamais
  se elevarão até as nuvens’
Rosa equivocou-se em muitas coisas, a respeito da independência da Polônia, na análise dos mencheviques em 1903, na sua teoria da acumulação de capital (...), equivocou-se no que escreveu na prisão de 1918 (corrigiu a maioria desses erros no final de 1918 e início de 1919, quando voltou à liberdade). Mas, apesar de seus erros, foi e continua sendo uma águia”.
* Augusto Buonicore é historiador, secretário-geral da Fundação Maurício Grabois. E autor dos livros Marxismo, história e a revolução brasileira e Meu Verbo é Lutar: a vida e o pensamento de João Amazonas, ambos publicados pela Editora Anita Garibaldi.
** Adaptação do artigo publicado na revista Debate Sindical nº 30, junho-agosto/1999.
Marte comanda a hora - Assistam trecho do filme “Rosa Luxemburgo" de Margarethe von Trotta.
BIBLIOGRAFIA
ETTINGER, Elzbieta. Rosa Luxemburgo: uma vida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1989.
GUIMARÃES, Juarez R. (org.). Rosa Vermelha. São Paulo: Busca Vida, 1987.
LOUREIRO, Isabel (org.). Rosa de Luxemburgo: vida e obra. São Paulo: Expressão Popular, 1999.
________. Rosa de Luxemburg: os dilemas da ação revolucionária. São Paulo: Unesp, 1995.
LUXEMBURGO, Rosa. Greve de Massas, Partido e Sindicatos. Coimbra, Portugal: Centelha, 1974.
________. Reforma Social ou Revolução?. São Paulo: Global, 1986.

quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

CTB-Bahia leva bloco dos trabalhadores para a Lavagem do Bonfim

fretab-bonfim
A CTB Bahia mantém a tradição de levar o bloco dos trabalhadores para a Lavagem do Bonfim, que acontece na próxima quinta-feira (16), em Salvador. Este ano, a Central decidiu marcar a concentração para a Praça Conde dos Arcos, em frente à Associação Comercial da Bahia, onde há mais espaço para reunir os sindicatos, com seus filiados, bandas e fanfarras.
“Vamos nos reunir a partir das 8h, para esquentar os tambores até o momento de seguir o cortejo das baianas. Como as faixas e balões estão proibidos, investimos nas bandeiras, estandartes e na irreverência de sempre para chamar à atenção sobre questões importantes para os trabalhadores, como o fim do fator previdenciário, a correção da tabelo do imposto de renda, a democratização da comunicação e a valorização das aposentadorias, por exemplo”, ressaltou Emanoel Souza, diretor de Comunicação da CTB Bahia.
Para animar ainda mais o bloco, a Central convocou todos os sindicatos filiados para percorrer juntos os 8km até a Colina Sagrada, onde as baianas lavam as escadarias com muita água de cheiro.
A festa
Tradição mantida há mais de dois séculos, a Lavagem do Bonfim é marcada pela forte presença do sincretismo religioso entre o catolicismo e o candomblé. Todos os anos, na terceira quinta-feira de janeiro, milhares de pessoas se reúnem em uma grande cortejo de 8km, trajeto que separa a Igreja da Conceição da Praia, no Comércio, da Igreja do Senhor do Bonfim, na Península Itagipana.
Após uma celebração ecumênica, o cortejo é aberto por centenas de baianas que carregam vasos com flores e água de cheiro, que servem para lavar as escadarias da Igreja do Bonfim e abençoar a multidão. Junto ao lado religioso, tem também uma grande festa profana, com música, bebidas e comidas típicas, que são vendidas ao longo do trajeto.
O cortejo também é utilizado pelos movimentos sociais como espaço de manifestação e protestos. A CTB participa da festa desde o primeiro ano de fundação, levando sempre muita irreverência e animação para o festejo.
Fonte: CTB Bahia