sexta-feira, 16 de dezembro de 2016

Arraes: Cem anos de coerência


  

Arraes: Cem anos de coerência

Por Tereza Rozowykwiat

A segunda edição deste livro, originalmente denominado apenas Arraes, está sendo lançada durante as comemorações dos 100 anos de nascimento do ex-governador. Coincidentemente, no momento, o país enfrenta uma crise política e econômica de dimensões incomensuráveis e não falta quem diga que nunca, desde a sua morte, em 2005, ele fez tanta falta ao Brasil. As justificativas são muitas e vão desde a sua capacidade de refletir sobre a realidade e apontar caminhos a seguir, até a atual ausência de lideranças capazes de promover a unidade das forças democráticas em torno dos interesses do povo.

Estamos diante de um cenário onde se observa uma economia destroçada, com altos níveis de desemprego, redução da capacidade de compra dos trabalhadores, inflação sem controle, PIB em queda, ameaças de cortes dos direitos conquistados pela população, retração de investimentos, queda na produção industrial e no setor de serviços. Do ponto de vista político, uma democracia ameaçada e uma Nação dividida. Porém esta divisão não é ideológica. Opostos se dão as mãos, manifestações gigantes são programadas, mas sem nenhum projeto político que possa servir de norte para a construção de uma saída eficiente é observado. A corrupção espalha-se em todos os níveis, envolvendo parlamentares, empresários, publicitários de campanhas eleitorais, funcionários públicos e detentores de cargos do alto escalão dos governos e banqueiros.

O cenário mundial também se mostra sombrio. Vivemos tempos em que o terrorismo é um fato consumado, representando uma ameaça a qualquer país. Guerras matam milhões de pessoas, enquanto os sobreviventes fogem buscando refúgio principalmente na Europa, onde, na maioria das vezes não encontram acolhida e passam a enfrentar situações degradantes de vida. A intolerância e a xenofobia contra os imigrantes são predominantes.

Paralelamente observa-se uma tendência do fortalecimento da direita. Temos um capitalismo que espalha suas crises cíclicas levando à ruína diversos países. Temos uma África que sucumbe na mão de ditadores e cujo povo morre de fome e doenças diante dos olhos insensíveis de outros povos. Temos um Oriente Médio destruído por guerras internas e externas e sob a ameaça terrorista diária. E o pior: um mundo que se mostra chocado com as fotos de crianças mortas e feridas em consequências desses conflitos, mas que, de certa forma, lava as mãos e fecha-se cada vez mais em defesa de suas próprias economias.

Seria este filme que Arraes veria agora, se o impossível acontecesse e ele estivesse vivo. Com certeza, ele não ficaria calado. Como sempre fez, teria um lado e, mais que isso, uma proposta, pelo menos considerando os problemas brasileiros, já que o poder de consertar o mundo não poderia ser da sua alçada. Quando se diz que ele está fazendo falta neste momento tão crucial, fala-se na verdade da sua capacidade de pensar consequentemente sobre os problemas, apontar caminhos, se fazer ouvir e transformar seu pensamento em ação.

A frase do poeta Carlos Drummond de Andrade “tenho apenas duas mãos e o sentimento do mundo”, utilizada por Miguel Arraes ao assumir pela primeira vez o Governo de Pernambuco e frequentemente relembrada em suas campanhas, terminou ficando mais identificada com a sua pessoa do que com o próprio autor. É que, em todos os estágios da sua vida política, ele procurou tomá-la como bússola. O sentimento do mundo, no entender de Arraes, estava intrinsecamente vinculado à sua relação com o povo e à fidelidade às ideias que defendia. Através dessas ideias, conquistou a Prefeitura do Recife e foi eleito governador do Estado três vezes. Por elas, foi cassado, preso e exilado.

Polêmico, Arraes foi adorado por uma parcela da população, odiado por outra facção, respeitado por muitos adversários e criticado por aliados. A ele, devia-se amor ou ódio, nunca indiferença. Carismático, transformou-se num mito para as camadas mais pobres da população, especialmente do Interior. Com o golpe militar de 64, os generais acreditaram tê-lo ferido de morte. Ocorreu o inverso. Voltou de um longo exílio mais fortalecido e pronto para novos embates. De certa forma, foi o próprio golpe que deu ao ex-governador as condições do seu retorno em grande estilo.

Recusando-se a renunciar ao mandato, preferindo a prisão e o exílio a romper com os compromissos assumidos, Arraes enfrentou as adversidades decorrentes da sua opção, mas, por outro lado, seu nome ficou marcado na História de Pernambuco com tintas fortes. Não faltam críticas à sua atuação como administrador, nem contestações às suas propostas. Mas, provavelmente, a figura de Arraes continuará sendo o que sempre foi: um divisor de águas, com posições claras, sejam elas rechaçadas ou dignas de elogios.

Em suas três administrações estaduais e durante o tempo que passou na Prefeitura do Recife, ele manteve uma posição muito particular sobre a forma de governar: realizou pequenas obras, em sua maioria voltadas para a população carente. Isso lhe valeu a fama de “atrasado”, sendo considerado, nos últimos tempos, um político dos grotões. Mas, ele respondia, sem titubear, quando se tratava de defender as ações por ele desenvolvidas: “O que é ser avançado? Para mim é botar água para quem depende de carro-pipa ou precisa comprar uma lata de água. É colocar um bico de luz para quem nunca pôde ter este benefício”.

Com isso, ele punha em discussão a questão do desenvolvimento, perguntando sempre a quem serviria. Talvez tenha sido exatamente esta visão de mundo que tenha feito dele um político diferenciado.

Fonte: Vermelho

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