sexta-feira, 12 de fevereiro de 2016

Bernie Sanders e a questão da Palestina

Em uma coletiva de imprensa em março de 1988, quando apoiava a candidatura de Jesse Jackson para presidente, Bernie Sanders rechaçou o tratamento brutal que Israel dava aos manifestantes palestinos como uma “absoluta desgraça.”

Por Rania Khalek, em The Electronic Intifada | Tradução: Moara Crivelente


  
“A imagem de soldados israelenses quebrando os braços e pernas de árabes é repreensível. A ideia de Israel enclausurar cidades e sitiá-las é inaceitável,” o então prefeito de Burlington, Vermont, disse a um bando de repórteres.

Sanders referia-se às imagens televisivas que chocaram o mundo naqueles primeiros meses da primeira intifada, de soldados israelenses metodicamente quebrando membros de jovens palestinos, sob ordens do então ministro da Defesa, Yitzhak Rabin.

Sanders foi além e sugeriu que os EUA usasem a “influência” que seus bilhões em assistência militar a Israel e seus vizinhos garantiam para forçar uma mudança de comportamento, “ou então, comecem a cortar [o abastecimento de] armas.”

Este foi um apelo ousado para qualquer político eleito, tanto para a época como para agora.
Avançando para agosto de 2014, o senador de Vermont assume um tom muito diferente, gritando raivosamente com seus eleitores quando eles questionam sua defesa do rompante de massacres de Israel na Faixa de Gaza, naquele verão [do hemisfério norte].

“Há uma situação em que o Hamas está lançando mísseis contra Israel...desde áreas habitadas,” disse Sanders, usando pontos do discurso padrão do governo israelenses.

Quando alguém na audiência levantou a questão de os palestinos “terem o direito de resistir”, Sanders gritou de volta, “Cale-se! Você não tem o microfone!” e ameaçou acionar a polícia.
“Você vai prender as pessoas?”, o eleitor gritou de volta.

Sanders rapidamente desviou a conversa para a brutalidade do ISIS, ou Estado Islâmico.
Um ano mais tarde, ativistas da solidariedade à Palestina foram expulsos de um evento da campanha de Sanders em Boston e ameaçados com a detenção por trazer cartazes que indagavam “Você vai #SentirA[chama]Bern pela Palestina?”1

Enquanto Sanders, que é nominalmente um independente, emerge na campanha primária Democrata contra a favorita do establishment, Hillary Clinton, a questão da Palestina esteve virtualmente ausente do debate.

Em uma tentativa de deter o ímpeto dos eleitores migrando para as demandas populistas de Sanders por igualdade econômica, Clinton empregou pontos de discurso neoconservadores anti-Irã para apresentar o senador de Vermont como perigoso para Israel.

Isso marca um dos poucos momentos em que Israel foi mencionado de todo durante a campanha primária Democrata – um contraste notável com a corrida Republicana, que tem estado dominada pelo fanatismo anti-Muçulmano envolto no apoio chauvinista à violência israelense.

Embora Clinton continue sendo a favorita para assegurar a nomeação Democrata, Sanders já não é considerado uma opção distante.

Muitos dos apoiadores de Sanders estarão esperando que sua enorme vitória na primária de ontem [9 de fevereiro] na primária de New Hampshire lhe dará a ocasião que ele precisa para desafiar Clinton em estados onde as pesquisas de opinião dão a ela uma firme liderança.

Por isso, vale a pena examinar o histórico dele sobre a Palestina e os israelenses, como suas visões mudaram e o que podemos esperar dele, enquanto ele tenta expandir seu poder de atração.

Uma revisão do histórico de Sanders sugere que as mudanças em suas visões estão enraizadas em conveniências políticas, ao invés de um comprometimento ideológico.

“Sem armas para Israel” 
Bernie Sanders nasceu no Brooklyn em 1941, filho de pais imigrantes, judeus poloneses. Muitos dos parentes do seu pai, Eli, que veio para os EUA quando adolescente, em 1921, foram mortos pelos nazistas.

No início dos anos 1960, Sanders passou vários meses em um kibbutz israelense, uma experiência da qual ele continua a falar afetuosamente.

Mas aquela experiência não o deteve nas críticas à violência israelense, no início da sua carreira política.

De acordo com Peter Diamondstone, co-fundador do Partido da União da Liberdade, socialista e anti-guerra, ao qual Sanders pertenceu nos anos 1970, Sanders apelou: “sem armas para Israel”, durante uma parada de campanha em 1971 em uma sinagoga, no primeiro ano em que ele concorreu por um cargo político.

Após várias campanhas fracassadas com o passe da União da Liberdade, Sanders abandonou o partido e, em 1981, foi eleito prefeito de Burlington como independente, com uma margem de apenas 10 votos.

“Com uma decolagem que surpreendeu até mesmo os burgueses de tendências mais liberais em Burlington,” The Guardian observava em 1990, Sanders “usou seu cargo [de prefeito] para fazer pronunciamentos ambiciosos sobre a política externa estadunidense”, como “apelar por uma pátria palestina” (“Burlington Bernie takes on big parties in Congress fight,” [Bernie, de Burlington, desafia grandes partidos em confronto no Congresso], The Guardian, 15 de março de 1990).

Hoje em dia, Sanders ainda apoia a posição oficial dos EUA por uma solução de dois Estados, mas naquela época, defender um Estado palestino ainda estava fora do mainstream.

Tais visões estiveram à mostra na coletiva de imprensa de 1988, em que ele apoiou Jesse Jackson.
“Tem-se a habilidade, quando se tem os Estados Unidos da América, que apoia os exércitos do Oriente Médio, de exigir que essas pessoas trabalhem por um acordo razoável, protegendo os direitos dos palestinos, protegendo os direitos de Israel,” disse Sanders.

Mais tarde, naquele ano, quando ele concorria a um assento no Congresso, Sanders manteve sua posição.

“A política em que os israelenses atiram contra pessoas é inaceitável. É errado que os EUA forneçam armas a Israel”, Sanders disse a estudantes na Universidade de Vermont. “Não seremos os mercadores de armas para nações do Oriente Médio.”

Quando questionado sobre essas declarações de quase três décadas atrás, o porta-voz da campanha Michael Briggs negou veementemente que Sanders tenha jamais encorajado suspender as [entregas] de armas dos EUA para Israel. Briggs acusou o jornal estudantil da Universidade de Vermont, The Vermont Cynic, que relatara sobre as visões de Sanders, de apresentar uma “má interpretação de citações antigas”.

“Ele não chamou de errada a assistência militar a Israel”, Briggs disse ao jornal setembro passado. “Bernie não apoia e nunca apoiou o fim [do envio] de armas a Israel e esta nunca foi a sua posição.”
A tentativa de Briggs de revisar a história é contradita pelas claras declarações de Sanders na coletiva de imprensa de 1988, gravada em vídeo.

O que mudou?
Depois de finalmente conquistar um assento no Congresso, em 1990, Sanders ainda estava disposto a usar sua nova plataforma para avançar suas visões históricas. Mas quanto mais ele ficou no Congresso, e quanto mais alto subiu, menos ele falou contra os abusos israelenses de direitos palestinos.

“Tenho um problema com a destinação de USD 2 bilhões para o Egito e USD 3 bilhões para Israel. Vamos resolver alguns dos problemas que temos em casa primeiro”, Sanders disse na Câmara em 1991, quando destinava o seu voto à rejeição de uma medida de US$ 25 bilhões em assistência estrangeira (“House of Representatives rejects 25-billion-dollar foreign aid measure,” [Câmara dos Deputados rejeita medida de USD 25 bilhões de dólares para ajuda estrangeira”] Agence France Presse, 31 de outubro de 1991).

Naquele mesmo ano, Sanders votou por deter USD 82,5 milhões em assistência estadunidense a Israel a menos que Israel parasse de construir colônias na Cisjordânia e na Faixa de Gaza ocupadas.
Mais recentemente, entretanto, Sanders não apelou pelo corte em assistência a Israel como uma forma de pressão. Ao contrário, ele apoiou totalmente a assistência estadunidense a Israel, enquanto expressava a esperança de que mais ajuda econômica a Israel e ao Egito, assim como aos palestinos, pudesse substituir alguma da ajuda militar em um futuro não especificado.

A campanha de Sanders não respondeu a uma questão colocada por The Electronic Intifada sobre a possibilidade de uma Casa Branca de Sanders ainda estar disposta a usar a assistência militar dos EUA para levar Israel a respeitar o direito internacional.

Histórico de votos ineficazes
Considerando o baluarte do lobby bipartidário de Israel no Congresso, o histórico de votos de Sanders poderia ter sido pior.

Mas, ao invés de se opor ativamente às atrocidades patrocinadas pelos EUA contra um povo indefeso e sob ocupação, Sanders frequentemente apenas manteve a cabeça baixa.

No fim de 2001, durante a segunda intifada, Salon observou: “Apenas um membro judeu da Câmara [Bernie Sanders] expressou qualquer forma de desacordo” com a resolução que responsabilizava o terrorismo palestino por toda a violência.

Em 2004, Sanders foi um dos 45 representantes no Congresso a votar contra a resolução expressando apoio pelo muro de Israel anexando terras palestinas na Cisjordânia ocupada, após ele ter sido considerado ilegal pelo Tribunal Internacional de Justiça.

Hillary Clinton, que era uma senadora dos EUA na época, apoiou a versão do Senado daquela medida, que a sua campanha usa agora como marketing.

Em 2011, o Senado aprovou uma resolução instando a ONU a rescindir o relatório Goldstone, que encontrou evidências de crimes de guerra durante a campanha de bombardeios de 2008-2009 de Israel em Gaza.

Enquanto alguns creditaram Sanders por supostamente se opor à resolução, não houve votação registrado. A medida foi aprovada por consentimento unânime – um procedimento que significa que nenhum senador fez moção para bloqueá-la, pedir o debate ou para um voto registrado, nem mesmo Sanders.

Enquanto a população civil de Gaza era mais uma vez dizimada pelas bombas fornecidas pelos EUA no verão de 2014, Sanders foi um dos 21 senadores estadunidenses que não endossou uma resolução expressando solidariedade incondicional a Israel.

“Fim ao bloqueio de Gaza”
Quando questionado, no verão passado, por Ezra Klein, da Vox, se ele se identifica como um sionista, Sanders foi ambivalente, respondendo: “Um sionista? O que isso significa? Eu acredito que Israel tenha o direito a existir? Sim, acredito. Eu acredito que os Estados Unidos deveria estar desempenhando um papel equilibrado em termos do seu tratamento à comunidade palestina em Israel? Com certeza, sim.”

Quando o primeiro-ministro de Israeli Benjamin Netanyahu aceitou um convite Republicano para denunciar as negociações do governo Obama sobre o acordo nuclear do Irã, num discurso no Congresso, na primavera passada, Sanders, que disse abertamente não ser “um grande fã” de Netanyahu, foi o primeiro senador a anunciar sua intenção de boicotar o discurso.

Em uma entrevista em novembro na Rolling Stone, Sanders fez sua crítica mais dura até hoje à guerra de Israel contra Gaza – enquanto ainda justificava as ações de Israel.

“Eu acho que Israel exagerou na reação e causou mais danos civis do que o necessário”, Sanders disse. Eles argumentam, e eu respeito isso, que tentaram se certificar de que os civis não sofressem danos. Mas o resultado final foi que muitos civis foram mortos e muitas casas, destruídas. Danos terríveis, terríveis, ocorreram.”

Tomando essa posição, Sanders deixou de lado as conclusões do, além de outros, inquérito independente da ONU, de que Israel atingiu sistematicamente prédios residenciais e infraestrutura, sem qualquer justificação militar aparente, resultando na carnificina massiva.

Na mesma entrevista, Sanders tentou fazer transação entre as políticas linha-dura do consenso de Washington e as preocupações de muitos em sua base progressista.

“Os Estados Unidos apoiarão a segurança de Israel, ajudar Israel a combater ataques terroristas contra aquele país e manter sua independência”, ele disse. “Mas no meu governo, os Estados Unidos manterão uma abordagem equilibrada na área.”

Um aspecto de tal “equilíbrio” pode ser encontrado no site da campanha de Sanders, onde ele parece responsabilizar “os dois lados” igualmente, ignorando o vasto desequilíbrio de poder entre Israel, como um ocupante e colonizador armado pelos EUA, e os palestinos, que vivem sob o seu regime militar.

Mas nos Estados Unidos de 2016, mesmo apelos por “equilíbrio” nesses termos estão fora do mainstream.

Mesmo que suas posições sejam mornas, ele foi muito além do que qualquer coisa dita por Barack Obama, que muitos erroneamente acreditaram, apesar de todas as evidências, que apoiaria os direitos palestinos quando se tornasse presidente.

Sanders apela a Israel por “acabar com o bloqueio a Gaza e parar de desenvolver as colônias em terras palestinas”, tornando-se um dos únicos senadores estadunidenses a fazê-lo.
Entretanto, está muito longe do seu irmão, o candidato do Partido Verde do Reino Unido, Larry Sanders, que expressou apoio ao boicote, desinvestimento e sanções a Israel.

E Sanders não é um Jeremy Corbyn, apoiador de longa data dos direitos palestinos que conquistou a liderança do Partido Trabalhista, o principal na oposição do Reino Unido, e a quem o senador de Vermont é frequentemente comparado.

Isso dito, o histórico de Sanders é um contraste claro à adoção entusiasta, pela sua oponente, da liderança de direita de Israel e seu desprezo descarado pelas vidas dos palestinos.

Uma oponente linha-dura
Enquanto Israel massacrava 551 crianças em Gaza em 2014, Hillary Clinton acusou os palestinos de “manipular o palco” na cobertura da chacina para angariar a simpatia internacional e comprometer Israel.

Desde a campanha dela por um assento no senado dos EUA por Nova York, em 2000, Clinton tem o hábito de demonizar os palestinos para cortejar eleitores e doadores judeus pró-Israel.

Ela esteve tão empenhada em provar lealdade a Israel quando esteve no Senado que votou contra uma proposta de lei que visava evitar o uso de bombas de fragmentação, que mata crianças desproporcionalmente, em áreas civis densamente populadas.

A proposta de lei foi inspirada, em parte, quando Israel cobrou o sul do Líbano com cerca de quatro milhões de munições de fragmentação em 2006.

Ainda assim, a proposta foi derrotada “principalmente porque foi pintada como uma emenda anti-Israel”, de acordo com o diretor da divisão sobre armas da Human Rights Watch. Coincidentemente, um dos proponentes do projeto foi o senador Bernie Sanders.

Um dos contribuintes mais generosos da campanha de Clinton é o bilionário magnata da mídia Haim Saban, que admite abertamente que sua prioridade número um é influenciar a política externa dos EUA a favor de Israel.

Saban e sua esposa, Cheryl, já doaram USD 5 milhões à campanha de Clinton. Clinton expressou sua gratidão por tamanho apoio com uma promessa de “tornar a oposição ao BDS” – o movimento pelo boicote, o desinvestimento e as sanções liderado pelos palestinos – “uma prioridade” da sua presidência.

“Estive ao lado de Israeli minha carreira inteira” e, se eleita presidente, “continuarei a combater nesta batalha”, Clinton disse.

Após a sua derrota para Sanders em New Hampshire, relata-se que Clinton está planejando “uma confronto sobre Israel”, focando na “aparente falta de interesse de Sanders em Israel” para levar eleitores judeus a “repensar seu apoio ao judeu estadunidense que acaba de subir mais alto que muitos outros na política Democrata”, de acordo com The Jewish Daily Forward.

Fora de sintonia
A devoção linha-dura da antiga secretária de Estado a Israel está cada vez mais fora de sintonia com a base Democrata, um fato que torna a indisposição de Sanders para desafiá-la neste fronte especialmente confuso.

Clinton é amplamente impopular entre eleitores Democratas mais jovens – e são esses jovens eleitores os que as pesquisas de opinião revelam ser muito mais críticos de Israel e receptivos a apelos pelos direitos palestinos.

Mesmo as elites Democratas – os mais educados, com maiores rendas e mais ativos apoiadores do partido – estão se distanciando de Israel. No verão passado, uma enquete mostrou que a metade considera Israel um país racista e aproximadamente três quartos acham que tem demasiada influência sobre a política estadunidense.

Notavelmente, 45% das elites Democratas responderam que estariam mais inclinados a votar por um candidato político que criticasse a violência israelense contra os palestinos, versus 23% que disseram que seriam afastados [pelo mesmo motivo].

Ao contrário de Clinton, Sanders não está comprometido com doadores pró-Israel, muitos dos quais, membros da classe bilionária contra quem ele faz campanha abertamente.

Isso pode explicar porque Sanders, até agora, absteve-se do ritualístico alcovitar requisitado a candidatos presidenciais estadunidenses – não há registros de discursos dele ao AIPAC, o grupo de lobby israelense mais influente nos EUA. E não está claro quando ele visitou Israel pela última vez.
Como um candidato competindo sobre uma plataforma anti-establishment, Sanders está posicionado perfeitamente para desfiar Clinton sobre o consenso bipartidário Israel-não-faz-nada-de-errado que domina o sistema político dos EUA.

Se o desafio de Sanders ao status de liderança de Clinton continuar a crescer, e no cenário em que ele se torne o candidato Democrata, suas visões sobre Israel ficarão sob ainda maior escrutínio.
Mas sem pressão significativa e contínua da sua base, há poucas razões para acreditar que um governo Sanders seria muito diferente do atual no tocante à Palestina.

Os próximos meses revelarão qual Sanders prevalecerá: aquele preparado para criticar Israel, embora guardado por declarações de apoio, ou o estridente Sanders pronto para invocar a polícia contra eleitores exigindo responsabilização pelo massacre de crianças em Gaza perpetrado por Israel.
 


Fonte: Vermelho

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