A julgar pelos números das principais capitais do país, a
mobilização de 20 de agosto trouxe uma informação essencial da conjuntura
política: os brasileiros não pretendem assistir sem luta às tentativas de
golpistas de derrubar o governo Dilma Rousseff.
As
mobilizações serviram, particularmente, para mostrar a importância crucial da
participação popular na definição dos rumos da crise política. "Vai ter
rua", afirma o deputado Leo de Brito (PT-AC), presente à concentração
convocada pela CUT e pelo MST em Brasília.
Convocadas
de forma relativamente improvisada, provocando inicialmente até o receio de um
fiasco entre seus organizadores, as manifestações ocorreram depois que o receio
de uma irresponsável aventura golpista levou setores importantes do empresariado
a se mobilizar em defesa das instituições e do calendário eleitoral e podem ser
consideradas como a mais importante demonstração de resistência popular às
tentativas de afastar uma presidente eleita por 54 milhões de votos. Em
Brasília, um cartaz festejava a apresentação da denúncia contra Eduardo Cunha.
Embora
o número tenha sido inferior ao dos protestos contra o governo no domingo, as
mobilizações ficaram longe de configurar um cansativo ritual burocrático, no
qual militantes organizados e funcionários dispensados pela chefia no fim de
expediente desfilam por espaços públicos com bandeiras e camisetas.
Os
atos tiveram um caráter de massa em vários lugares, o que explica os cortejos
imponentes de São Paulo, Salvador, Belo Horizonte, Curitiba, por exemplo. Um
levantamento do Data Folha, realizado entre os presentes na passeata da avenida
Paulista, mostra também uma diferença de classe social entre a quinta feira e o
domingo.
Revela
o jornal, hoje: "Pessoas de famílias com renda mensal de até 2 salários mínimos
eram 24% da manifestação desta quinta. No domingo, somavam 6%. No polo oposto,
o grupo dos mais ricos (acima de 20 salários) representava 5% dos presentes
nesta quinta ante 17% do ato anti-Dilma. No protesto desta quinta, pardos e
pretos somavam 49%. No domingo, eram 20%."
Acompanhei
a manifestação de Brasília, cidade que tem sido endereço de derrotas
inesquecíveis do PT e do governo federal em eleições recentes. "Só aqui já
tem mais povo do que todo o protesto da avenida Paulista no domingo passado",
me dizia um diplomata aposentado, testemunha das lutas políticas do país desde
a década de 1960. A manifestação de Brasília estava marcada para as cinco da
tarde -- e começou na hora certa. Neste momento, um pequeno grupo começou a
cantar o hino nacional em ritmo de samba nas proximidades de um edifício
comercial, o CONIC, numa atividade de concentração, conversa, panfletagem e
venda de jornais.
No
início da noite, as pessoas (3000, segundo cálculo de um ex-deputado) começaram
a se deslocar em direção a estação rodoviária, endereço tradicional dos
protestos de Brasília. "Não vai ter golpe", gritavam, com melodia e
ritmo. Essa foi a palavra de ordem que dominou a manifestação, do início ao fim.
Um
panfleto dizia: "o povo do Distrito Federal quer direitos, liberdade e
democracia."
Mas
também era possível ouvir, numa frequência que me surpreendeu, um grito mais
comum na campanha eleitoral de Dilma, vitoriosa, do que num momento de
popularidade baixa: "Neste país, eu tenho fé, porque é governado por
mulher."
Para
além da manifestação política, havia um componente típico no comportamento das
pessoas nessas horas -- a alegria. Elas confraternizavam entre uma palavra de
ordem e outra, faziam piadas, planejavam novos eventos. Estavam felizes por
estar ali e gostavam do que podiam ver. Quando apareceu um infiltrado, gravando
seus próprios gritos e imagens pelo celular, quem estava próximo limitou-se a
rir de um esforço patético para tentar atrapalhar a manifestação. Descendo a
escada da rodoviária, uma dona de casa comunicava-se pelo whatsapp com uma
prima, em Belo Horizonte. A de Brasília tinha resolvido ir à rua contra o
impeachment. A de BH, votara em Aécio. Perguntada sobre o trânsito na capital
mineira, a prima de lá respondeu: "congestionamento de 1h40 por causa de
um protesto." E completou: "O pior é que é a favor da Dilma!"
O
círculo em volta via a tela do celular – e ria sem parar.
Fonte: Brasil 247
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