sexta-feira, 20 de março de 2015

Se o “Faz a Diferença” tivesse 50 anos quem a Globo teria homenageado?

  

O prêmio “Faz a Diferença”, do jornal O Globo, está em sua 12ª edição e nesta quarta-feira (18) homenageou como “personalidade do ano” o ínclito juiz Sérgio Moro. Mas imaginemos que o prêmio, ao invés de estar na 12ª edição, estivesse na 50ª edição. Quem teria sido homenageado pelo jornal em 1965?


Levando-se em conta que O Globo foi um entusiástico apoiador da ditadura militar instalada em nosso país e que, como pagamento, recebeu dos generais diversos favores que possibilitaram a construção do atual poder do Grupo Globo, fizemos um pequeno exercício de imaginação para supor quem seriam os primeiros homenageados pela Globo caso o prêmio tivesse sua edição número um em 1965. Queremos que a Globo encare esta iniciativa como uma primeira e singela homenagem do Notas Vermelhas pelos 50 anos da TV Globo, fundada em 26 de abril de 1965. Outras homenagens virão. Nossas e do movimento social que já está preparando diversas ações para não deixar passar em branco esta data funesta para a democracia, para os trabalhadores e para a cultura nacional. ONotas Vermelhas está aberto às sugestões dos internautas para os homenageados dos anos posteriores.

1º PRÊMIO FAZ A DIFERENÇA 1965 

Personalidade do ano: General Castelo Branco, primeiro ditador a ostentar o título de presidente depois do Golpe Militar de 1964.

Categoria Brasil: Maria Paula Caetano da Silva, fundadora da União Cívica Feminina, promotora da Marcha da Família com Deus pela Liberdade, que onze dias antes do Golpe, pediu a deposição de João Goulart por conta da ameaça comunista e da corrupção.

O jornal O Globo faria uma matéria sobre a entrega do prêmio, mais ou menos assim:

O tom dos discursos foi de agradecimento ao principal homenageado, presidente Castelo Branco, e à senhora Maria Paula por terem ajudado, com a marcha e a revolução de 1964, a salvar a democracia. Várias personalidades fizeram uso da palavra denunciando o estado de coisas antes da revolução, para a qual a marcha com Deus pela Família foi tão importante, por mostrar que era o povo que exigia a intervenção dos militares para derrotar os comunistas.

RC fala sobre qual era a situação antes da revolução: “uma máfia tomou de assalto o Estado e transformou a coisa pública em ‘cosa nostra’. Fingir que a solução para o problema é ‘mais democracia’, ou ‘mais participação popular’ (...) é um atentado à inteligência dos brasileiros” (1).

Na mesma linha AJ acusava o deposto governo Jango de estar tomado de comunistas, pois havia “demonstrações de bolchevismo arcaico nos arredores do governo” (2).

RR defendeu o fechamento dos partidos: “O partido de militantes é um partido de corrosão de caráter. Você não tem mais, por exemplo, juiz ou jornalista; tem um militante que responde ao seu dirigente partidário (...)” (3).

Já ZV repudiou a “ridícula hipótese da ação da CIA” em apoio à revolução e exaltou a Marcha Pela Família, que respaldou o movimento militar, ressaltando que “mais importante do que a quantidade, (o melhor) foi o bom comportamento da maioria dos participantes” (4).

RD também prestou sua reverência à marcha, dizendo que a manifestação da União Cívica Feminina e de outras organizações, não foi “encarnada pelo falso vermelho, e (sim) marcada pelo verde-amarelo. O verde-esperança e o ouro sem mácula que pintam o coração de milhares de brasileiros” (5).

Para RA, agora que a Revolução militar triunfou está na hora de a “imprensa decidir e passar a defender os valores que são da democracia, da economia de mercado e do individualismo, e que não se vai dar trela para quem quer a solapar” (6).

Em seu discurso, o homenageado, o grande estadista presidente Castelo Branco, justificou todas as esperanças depositadas no movimento por ele liderado. Relembrou o presidente, sob constantes aplausos da seleta plateia de empresários, jornalistas e convidados, que em seu primeiro ano mandou 400 pms invadirem a Universidade de Brasília (reduto de comunistas), cassou os direitos políticos do ex-presidente Juscelino Kubitschek, criou o SNI, implantou a lei de greve que na prática impede as greves, prorrogou o próprio mandato, e o que ele pessoalmente considera o mais relevante, extinguiu o Comando Geral dos Trabalhadores (CGT), as Ligas Camponesas, a UNE e a UBEs. Neste instante, a plateia presente ao 1º Prêmio Faz a Diferença levantou-se para aplaudir de pé o general. Notava-se que os olhos de RC, AJ, ZV, RD e RA estavam marejados d’água, pela contagiante emoção do momento. O único incidente constrangedor aconteceu quando um jornalista que, depois verificou-se, conseguiu entrar sem ser convidado, abordou o general com uma absurda pergunta sobre rumores de que o regime estava torturando e matando opositores. O general respondeu que isso “era uma calúnia”. O Globo se desculpa com o presidente e denuncia que o jornalista trabalha em um “jornal sujo”, súcia de militantes comunistas. Castelo Branco respondeu que em breve tal jornal será fechado. A nação respira aliviada. 

Os textos dos fictícios depoimentos foram trechos verdadeiros extraídos de artigos dos seguintes articulistas: 

  1. Rodrigo Constantino (24/2/2015).
  2. Arnaldo Jabor (19/4/2011). 
  3. Roberto Romano (2/3/2010). 
  4. Zuenir Ventura (18/3/2015). 
  5. Roberto Damatta (18/3/2015). 
  6. Reinaldo Azevedo (2/3/2010).
Aliás...

Os trechos em que Zuenir Ventura e Roberto Damatta elogiam a marcha neofascista do último dia 15 de março foram utilizados (assim como os outros trechos selecionados) para mostrar como a mídia hegemônica e seus articulistas a soldo não mudaram o discurso, pois em 1964 a marcha com Deus pela família também usava o pretexto da luta contra a corrupção e em defesa da constituição mas pregava, na prática, o golpe e a quebra da ordem institucional, em favor dos ricos. Também na época, articulistas convenientemente “ingênuos”, acreditavam nas bandeiras “oficiais” da manifestação enquanto as oficiosas é que davam o tom. Vejam este outro trecho do artigo de Roberto Damatta, onde ele se refere assim aos participantes da marcha do dia 15 (a do dia 13 era composta por pessoas que não deveriam existir e por isso o antropólogo não perde tempo com elas): “Esses cidadãos comuns. Essa gente miúda. Esse povinho sem ideologia ou utopia, mas com a moralidade, apesar de tudo, intacta!” Leram direitinho? Agora reparem na foto ao lado. O cidadão que estava na rua contra a corrupção, segurando o cartaz “Fora Dilma”, é o lobista Luiz Abi, primo do tucano Beto Richa, governador do Paraná. Menos de 24 horas depois de participar do protesto, Luiz Abi foi preso por corrupção pelo Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado). Poderiamos ter posto também a foto de uma herdeira do Itaú participando dos protestos, pois ela é legítima representante do que o Damatta chama de “essa gente miúda” que protestou no dia 15. Só não colocamos (apesar de a foto estar circulando por toda a internet) já que ela não cometeu qualquer crime além daquele de que fala Bertold Brecht: “O que é roubar um banco comparado a fundar um?”.

Aliás... (2)

Depois de tantas citações o Notas Vermelhas encerra com mais uma, só que desta vez extraído de um texto de Guilherme Boulos de julho de 2014: “Impressiona o baixo nível intelectual dos representantes da direita no debate público nacional. Não elaboram, não buscam teoria nem referências. Não fazem qualquer esforço para interpretar seriamente a realidade. Apenas atiram chavões, destilando preconceitos de senso comum e ódio de classe”.

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