terça-feira, 31 de março de 2015

E se Machado de Assis encontrasse o Bolsonaro?

  

Em 1864 Machado de Assis escrevia, no Diário do Rio de Janeiro, as “Crônicas da Semana”, onde comentava fatos relevantes em diversos campos de atividade, como a política e a literatura, sempre com um sarcasmo sutil e elegante, e não por isso menos afiado. Mas na crônica de 10 de julho de 1864 (as crônicas eram tituladas com as datas em que iam publicadas), Machado não encontra muito espaço para sua em geral suave ironia, quando passa a tratar de um assunto polêmico: a pena de morte. 


O jovem redator (às vésperas de completar 25 anos), tece comentários sobre um relatório criminal a que teve acesso. Segundo este relatório, entre 1853 e 1862, 363 brasileiros foram executados em “virtude da moralíssima lei da pena de morte”. Machado é contra esta lei e argumenta que a abolição da pena de morte voltou a ser discutida em diversos países, visando “acabar com a anomalia de manter-se uma lei de sangue em virtude da qual foi sacrificado o fundador do princípio religioso das sociedades modernas”. O escritor, ainda iniciando sua trajetória (só oito anos depois publicaria seu primeiro romance, marcado pelo que ele denominaria mais tarde como “ecos da mocidade e de uma fé ingênua”) está furibundo com um jornal católico francês chamado “Le Monde”, coirmão de um jornal brasileiro intitulado A Cruz. O jornal francês defendia a pena de morte e só condenava a guilhotina por ser uma invenção da revolução francesa. Dizia o Le Monde católico: “não pedimos outra coisa que não seja substituí-la (a guilhotina) por outro gênero de suplício”.

Um jovem escritor combate a barbárie

Indignado, Machado de Assis denuncia: “A ‘Cruz’ de Paris não quer a guilhotina por ser invento revolucionário, quer outro suplício de invento católico. A fogueira, por exemplo? (...) A ‘Cruz’ de Paris entende que é impiedade matar com a guilhotina; o que ela quer é que se mate mais catolicamente, mais piedosamente, com um instrumento das tradições clericais, e não com um instrumento das tradições revolucionárias. Para ela a questão é simplesmente de forma; o fundo deve ficar mantido e respeitado (...) Quando leio estas e outras coisas, no século em que estamos, o qual, segundo se diz, é o século magno – hesito em crer nos meus olhos e desconfio de mim mesmo”. Pois é, Machado de Assis ficava espantado de ver gente defendendo a barbárie no século XIX. Imaginem se ele ressuscita, em pleno século XXI, e dá de cara com o Bolsonaro?

Bolsonaro, a bancada da bala e a idade das trevas

Vem, de fato, de muito longe a luta pelo avanço civilizacional e sempre, a cada passo, esta batalha encontrou contendores defendendo bandeiras reacionárias. Estamos em 2015 e a bancada da bala, financiada pela indústria armamentista, quer a redução da maioridade penal e em seguida, tendo sucesso, irão avançar para uma emenda constitucional que viabilize a implantação da pena de morte. Um dos líderes mais eminentes deste grupo, deputado federal Jair Bolsonaro (PP-RJ), é explícito ao dizer que só a redução da maioridade penal não basta, e a solução, para os jovens infratores, é a execução: "Como é muito caro reeducar esse povo todo (jovens infratores), espero um dia também aprovar a pena de morte". Bolsonaro é igualmente explícito ao propor o uso da tortura, nos casos de tráfico e sequestro. Sobre o massacre de Carandiru, onde 111 presos foram assassinados, Bolsonaro declarou: “Continuo achando que perdeu-se a oportunidade de matar mil lá dentro”.

O banquete dos canibais

Bolsonaro, no entanto, é um temente a Deus: “Eu acredito em Deus. Sou católico. Mas é coisa rara ir à Igreja. Eu já li a Bíblia inteirinha, com atenção. Levei uns sete anos para ler. Você tem bons exemplos ali. Está escrito: A árvore que não der frutos, deve ser cortada e lançada ao fogo”. Nem o atual Papa, ou a imensa maioria dos Bispos e Padres, defende mais a pena de morte ou compactua com as sandices deste personagem, que não obstante atrai muitos adeptos. Talvez sobre eles, Machado de Assis desabafasse, como fez no artigo que abre estasNotas Vermelhas, protestando contra as mentalidades que já considerava arcaicas há mais de 150 anos: “Qualquer dia destes hei de fazer um elogio dos canibais, raça ignorante e rude, que não conhece as delícias de nossa cozinha civilizada e limita-se a satisfazer os seus instintos bárbaros”.

A mídia banzé

A mídia brasileira, cada vez mais dominada por uma orientação que coloca em primeiro plano seu papel de agente político, muitas vezes caí no ridículo. Foi assim que o site UOL (Grupo Folha) deixou como principal manchete, durante praticamente todo o sábado, uma menção claramente descontextualizada do ministro Joaquim Levy, sobre a presidenta Dilma Rousseff. Segundo o Grupo Folha queria deixar entender, o Ministro teria atacado Dilma, dizendo que ela (a presidenta) “nem sempre procura o caminho mais eficaz”. O site não só insistiu em criar um fato político em cima de absolutamente nada, com fez matérias com a “repercussão” da história. Nesta segunda-feira (30), Joaquim Levy criticou a imprensa por ter criado um “banzé em cima de um truísmo”, ou seja, em cima de uma obviedade, e recordou o que disse: "há um desejo genuíno da presidente de acertar as coisas, às vezes, não da maneira mais fácil... Não da maneira mais efetiva, mas há um desejo genuíno". Não é preciso muita análise para concluir que não há nada nesta frase que justifique uma simples notícia, que dirá uma manchete, a não ser que exista “um desejo genuíno” de se abrir mão de qualquer critério jornalístico para apenas e tão somente fazer “banzé” político.

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