quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

O tripé e o retrocesso

No artigo "O Manifesto do retrocesso" (19/11), Pedro Ferreira e Renato Fragelli criticam o "Manifesto dos economistas pelo desenvolvimento e inclusão social". Embora o manifesto critique a austeridade, nossos críticos mal justificam sua opção pela austeridade e atacam o manifesto pelo que não faz: a defesa do governo Dilma.
O manifesto rejeita sim as críticas ortodoxas feitas ao governo, que são reiteradas pelos articulistas. O governo Lula teve êxito na operação anticíclica (criticada pelos neoliberais) que defendeu o emprego e a inclusão social em 2009. A economia recuperou-se com o aumento do investimento público e incentivos ao gasto privado, e a recuperação melhorou em seguida o resultado fiscal.
Nosso dilema começa quando Henrique Meirelles, então presidente do Banco Central, pouco fez para limitar a apreciação cambial em 2010. Embora a depreciação de 2008 mal tivesse impacto inflacionário e tenha compensado apenas parte da apreciação desde 2003, foi revertida com os fluxos financeiros atraídos pelo diferencial de juros oferecido por Meirelles.
Precisamos de alternativas ao tripé do retrocesso, com plano de recuperação dos investimentos públicos
A crise global também explica a liquidez que apreciou o real, o baixo crescimento mundial e o acirramento da competição internacional. Países desenvolvidos tentam recuperar-se via exportações e exportadores asiáticos buscam novos mercados. O saldo comercial brasileiro inverteu-se em relação às economias sede das filiais na indústria enquanto exportações asiáticas tomaram parcela do mercado industrial no Brasil e na América do Sul.
Conjugada ao excesso de capacidade global, a apreciação cambial induziu uma avalanche de importações. A produção da indústria de transformação encolheu, em termos reais, 6,5% desde o terceiro trimestre de 2008 e o coeficiente de penetração de importações aumentou quase 30%. No acumulado até setembro, o comércio setorial passou de superávit de US$ 22,4 bilhões em 2005 para déficit de US$ 49,2 bilhões em 2014.
Essa avalanche iniciou-se na vigência do tripé "metas de inflação-superávit primário-apreciação cambial" e trouxe o risco do tripé do retrocesso das reformas neoliberais da década de 1990: desindustrialização, rentismo e déficit crescente de transações correntes, resultando no baixo crescimento.
Ademais, a tendência de depreciação cambial resultante desses desequilíbrios traria grande pressão inflacionária. Começávamos a voltar aonde hoje estamos: na armadilha do baixo crescimento, com pressões inflacionárias latentes e sob risco de perda do grau de investimento como no final dos 1990.
A gestão de Alexandre Tombini continuou o ciclo de elevação de juros de Henrique Meirelles e o complementou com iniciativas macroprudenciais. A economia já desacelerara no fim de 2010, quando a avalanche de importações coincidiu com a maturação de investimentos decididos antes da crise e a saturação gradual da demanda de bens de consumo duráveis que se acirrou em 2014.
Não obstante a desaceleração, o governo Dilma Rousseff ouviu o clamor ortodoxo em 2011 e deu início à contração fiscal que afetou o investimento da administração direta que, excluindo subsídios, teve queda real de 12% em 2011 e, em relação ao PIB, não deve recuperar em 2014 o nível de 2010.
Em agosto de 2011, o Banco Central iniciou redução da Selic, mas a contração fiscal era forte sinal para o recuo do investimento privado. Quando abandonou a contração em 2012, o governo não reverteu a queda do investimento público e sim apoiou o investimento privado com a redução de custos de produção, sem conter a desaceleração cíclica da demanda e seu vazamento para importações.
A crítica neoliberal ao relaxamento monetário e fiscal é que seria a causa de pressões inflacionárias e do baixo crescimento. O argumento contrafactual e injustificado é que se o governo insistisse na contração, em meio à crise europeia, o gasto privado reagiria a maiores juros e superávit primário expandindo-se...
Em 2013, a pressão inflacionária não resultou de sobreaquecimento e sim da correção cambial e de outros choques de custo, como preços agrícolas e fretes. É por isso que controlar a inflação envolve desindexar contratos, formar estoques reguladores e ampliar a oferta de bens públicos e infraestrutura.
A expansão fiscal que se iniciou em 2012 não pode ser responsabilizada pela resistência da inflação, como acusam os neoliberais. Afinal, envolveu desonerações fiscais e controle de preços administrados para reduzir custos de produção e restaurar a competitividade, mas esteve longe de levar a sobreaquecimento.
O problema é que esse tipo de "expansão fiscal" não reverte a desaceleração nem a desconfiança em relação a um futuro de receitas incertas. A correção cambial tampouco foi suficiente para reverter a apreciação herdada da gestão Meirelles e muito menos a tendência de desindustrialização, mas pressionou a inflação.
Hoje, o governo Dilma dobra a aposta em um modelo de crescimento empurrado pelo investimento privado. Como seus críticos ortodoxos, parece acreditar que a austeridade liberará espaço para o setor privado, em vez de puxá-lo para a recessão.
Consideramos, ao contrário, que atender ao clamor ortodoxo e apostar na austeridade, como em 2011, traz sério risco de reforçar a desaceleração observada em todos os itens de demanda privada e nos atirar em uma recessão.
Embora resulte das recomendações de economistas ortodoxos desinteressados e de porta-vozes dos mercados financeiros, uma recessão não deve ser bem recebida nem pelos mercados nem pelas agências de classificação de risco. Tampouco será boa para a governabilidade, sobretudo se jogar as ruas contra o governo. É por isso que precisamos de alternativas ao tripé do retrocesso, com a ampliação de investimentos públicos articulados a um plano sistemático de recuperação dos investimentos privados.
Por Pedro Paulo Zahluth Bastos e Carlos Aguiar de Medeiros são, respectivamente, professor associado (livre docente) da Unicamp e professor titular da UFRJ.
Fonte: Portal CTB

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