terça-feira, 11 de novembro de 2014

“O trabalho escravo é sintoma de uma sociedade doente”, diz Sakamoto

Xavier Plassat, da Comissão Pastoral da Terra; Luiz Machado, coordenador do projeto de combate ao trabalho escravo no Brasil da OIT e Leonardo Sakamoto, diretor da ONG Repórter Brasil
Mariana Serafini
Xavier Plassat, da Comissão Pastoral da Terra; Luiz Machado,
coordenador do projeto de combate ao trabalho escravo no Brasil da OIT
 e Leonardo Sakamoto, diretor da ONG Repórter Brasil

Encontro realizado na capital paulista, na segunda (10) e terça-feira (11), debate o combate ao trabalho escravo em suas diversas práticas. O diretor da ONG Repórter Brasil e conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão, Leonardo Sakamoto, apontou o trabalho escravo como o sintoma de uma sociedade doente que, segundo ele precisa ser combatido pela raiz.

Por Mariana Serafini, do Vermelho


O 3º Encontro das Comissões Estaduais para Erradicação do Trabalho Escravo (Coetraes) é uma iniciativa da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, em parceria com a Secretaria de Justiça e Defesa da Cidadania do Estado de São Paulo e com a ONG Repórter Brasil. A atividade contou com a participação de representantes das comissões de grande parte do território nacional, o que possibilitou um debate acerca dos mais diversos âmbitos de atuação do trabalho escravo, tanto urbano quanto rural.

Pessimista com relação ao Congresso conservador que assume a Câmara Federal em 2015, Leonardo Sakamoto é incisivo ao afirmar que a luta atual é para manter os avanços já obtidos com relação ao trabalho escravo, porque com o novo cenário será difícil garantir mais conquistas.

Apesar da existência de leis responsáveis por punir os empregadores que se utilizam de trabalho escravo e de medidas de proteção à vítima, o jornalista acredita ser necessário avançar em muitos aspectos para o combate real do problema, e isso passa por melhorar a estrutura do poder público, ainda pouco aparelhado nesta questão. Ele explica que o próprio conceito passa por um campo nebuloso, no sentido de que muitas vezes é necessário “debater” com juízes e procuradores o que é trabalho escravo. “Cansamos de fazer oficinas pelo Brasil e ter que ouvir ‘não, isso não é trabalho escravo’”.

Neste sentido, reconhecer o trabalho escravo passa não só pelo conceito do trabalho, mas também por consciência de classe. “Se você nasce em uma classe social que não acredita na existência do trabalho escravo porque acreditar na existência do trabalho escravo significa tocar na própria responsabilidade desta classe, significa que você vai negar”, explica Sakamoto.

Problemas acumulados desde o “Brasil Império”, hoje refletem diretamente no crescimento do trabalho escravo. Para Sakamoto, esse modelo de sociedade baseada em “sinhozinho e senzala” precisa ser combatido para reverter a questão dos valores do trabalho. “Emprego não é favor, e trabalho não é obrigação”, afirma.

Redução da desigualdade social, distribuição de renda, trabalho descente e reforma agrária são medidas eficazes para o combate real ao trabalho escravo, segundo Sakamoto. Isso porque, se há condições de trabalho decente, tanto no campo quanto na cidade, dificilmente um trabalhador vai se submeter à escravidão. “É preciso garantir que os trabalhadores tenham seus direitos respeitados, a CLT é importantíssima, mas muitas vezes não é colocada em prática”.

Sakamoto acredita que a luta no combate ao trabalho escravo deve ser travada em diversos setores, não apenas no poder público. “Dignidade no trabalho é algo que não dá para negociar, o congresso vai ter que entender, e os movimentos sociais vão ter que encampar a luta de forma mais aprofundada”, diz.

Apesar de haver resistência de setores conservadores, como os ruralistas e produtores industriais, Sakamoto critica o posicionamento pouco incisivo do movimento sindical na luta contra o trabalho escravo. Cita, por exemplo, sindicatos da construção civil, que muitas vezes não atuam como deveriam no combate às práticas escravagistas urbanas.

De acordo com coordenador geral do projeto de combate ao trabalho escravo no Brasil da Organização Internacional do Trabalho, Luiz Machado, a prática escravagista ainda é muito lucrativa, e cresce a passos largos, apesar dos mecanismos de combate. Em 2005 foram registrados 12,3 milhões de trabalho escravo, já em 2012 este número cresceu para 20,9 milhões. O lucro que há oito anos era de US$32 bilhões, em 2014 fechou em US$150 bilhões. Segundo as nações unidas, é uma das atividades ilícitas mais rentáveis.

O secretário nacional de Inspeção do Trabalho do Ministério do Trabalho e Emprego, Paulo Sérgio de Almeida, destacou a atuação do ministério na erradicação do trabalho escravo com os grupos móveis que já resgataram 47 mil trabalhadores em 20 anos. Atualmente há 600 empregadores na Lista Suja.

O encontro que conta com a participação de autoridades políticas e membros da sociedade civil organizada encerra na tarde desta terça-feira (11). A atividade busca o intercâmbio entre as Comissões Estaduais de todas as regiões brasileiras para o compartilhamento de boas práticas e discussão da problemática.


Fonte: Vermelho

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