Depois de combater políticas
de bem-estar, nossos dinossauros escondem números reais e usam fantasia social
Na medida em que dados concretos começam a ser divulgados,
começa a ficar claro que a guerra contra a Copa é expressão de um delírio
conservador que recebe, acessoriamente, o apoio ruidoso de uma retórica de
ultra-esquerda – bastante comum em situações políticas como a atual.
Alguns números.
A sugestão de que os estádios de futebol tiveram reajustes e
sobrepreços excessivos não resiste a uma matemática contábil. A inflação
acumulada do país, no período, chegou a 40%. A alta média dos estádios ficou em
36%. Num país que convive com metas inflacionárias como política oficial,
reajustes desse tipo são parte natural da paisagem dos investimentos públicos e
privados.
Imaginar que o
futebol retirou dinheiro da Educação é um acinte. Entre 2007, quando o país foi
confirmado como sede da Copa,e o ano passado, os gastos do MEC com educação
sugiram mais do que o dobro, em valores deflacionados. Como algumas pessoas
podem ficar em dúvida diante destes números, que contrariam tudo o que se disse
e se ouviu nos últimos meses, aqui vão os dados completos, ano a ano:
em 2007, o gasto
foi de R$ 50,2 bilhões;
em 2008, ocorreu um crescimento superior a
10%, e as verbas passaram para R$ 56,4;
em 2009, houve
uma alta ainda maior, para R$ 67,1;
em 2010, o salto,
de quase 15%, levou para R$ 78,3;
em 2011, foi para
R$ 87,5;
em 2012, para R$
100,5.
em 2013 chegou a
R$ 107,00.
Os gastos totais
com a Copa, somando empréstimos públicos, privados, investimentos estaduais e
municipais, chegam a R$ 26,7 bilhões.
Não é pouco
dinheiro, convenhamos. Mas é menos, por exemplo, que metade do patrimonio da
família Marinho, dona da TV Globo, segundo a revista Forbes. Em outra conta:
num país com PIB de R$ 4,5 trilhões, os R$ 26 bi continuam sendo um bom dinheiro mas não vamos perder a
perspectiva dos números.
Agora, algumas ideias.
É claro que toda pessoa tem direito de ser contra a
realização da Copa no Brasil.
Em 2007 levantei
críticas neste espaço – como qualquer pessoa, interessada na arqueologia da
internet, poderá comprovar.
Sete anos depois, essa discussão está fora de lugar. Depois
da crise de 2008, a maior do capitalismo mundial em 85 anos, não é possível
ignorar o lugar da Copa no estimulo a investimentos realizados no país. Os
trabalhos da Copa garantem um acréscimo anual de 0,4% no PIB brasileiro. Também
ajudam a criar 3,6 milhões de empregos. Talvez não seja a melhor saída. Nem a
mais duradoura. Mas cabe lembrar que, sem alternativas, que jamais foram
apresentadas, as pessoas não tem o que comer nem o que vestir, não é mesmo? Do
ponto de vista dessas pessoas, a Copa já é uma vitória, ainda que parcial,
beneficiando a população mais pobre. Ou desemprego no orçamento dos outros não
arde?
Além de sugerir medidas de austeridade, que afundaram a
Europa, alguém apareceu com ideias mais adequadas, socialmente aceitáveis?
A campanha contra a Copa é antiga. Se você fizer a
arqueologia de seus críticos, irá encontrar declarações solenes de que o
governo brasileiro deveria render-se definitivamente a supostas mediocridades nacionais e devolver a Copa
para a FIFA. O argumento, na época, é que nem os estádios ficariam prontos. Sem
comentários, não é mesmo?
O debate seguinte foi outro. Nossos dinossauros se tornaram
sociais – e foi para isso que a aliança com porta-vozes de uma retórica de
ultra-esquerda se tornou necessária.
Repare: a mesma turma que em 2007 – o ano em que o Brasil
foi escolhido como país-sede – derrubou a CPMF, aquele imposto semi-invisível
que garantia verbas para a saúde pública, resolveu pedir dinheiro para postos
de saúde como argumento para combater a Copa.
Sem ruborizar, teve a mesma reação diante do programa Mais
Médicos.
A tecnologia política é conhecida. Depois de negar recursos
que poderiam, de forma consistente e duradoura, promover uma mudança real na
saúde pública, vamos à rua pedir hospitais padrão-FIFA.
Com todo respeito pela população que dá duro na fila dos
hospitais públicos – e também pelos que são ludibriados regularmente pelos
planos privados – cabe perguntar: quem queremos enganar com isso?
Quem está falando de
indignação real? Quem joga na hipocrisia total?
A resposta virá em
outubro. Até lá, o que se quer é enganar o eleitor.
Autor: Paulo Moreira Leite*
*Diretor da
Sucursal da ISTOÉ em Brasília, é autor de “A Outra História do Mensalão”. Foi
correspondente em Paris e Washington e ocupou postos de direção na VEJA e na
Época. Também escreveu “A Mulher que Era o General da Casa”.
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