Há cinquenta anos, entre os dias 31 de março e 1º de abril, desencadeava-se o golpe militar, que instalou uma ditadura de longa duração – 21 anos. Foi o pior regime da história brasileira, a noite de horror para o povo brasileiro. Implantada a ferro e fogo, a ditadura militar agiu em nome dos interesses das classes dominantes e do imperialismo estadunidense. O regime militar brasileiro foi um dos pilares em que se assentou a luta daquele imperialismo, no quadro da chamada Guerra Fria, para impor sua hegemonia mundial, estratégia para a qual o controle da América Latina era essencial.
A ditadura militar pretendeu exterminar, por meio da guerra contra o povo, em que se excedeu em métodos brutais e na prática de crimes de lesa-humanidade, as lutas sociais em curso por mudanças de fundo no país, então governado por forças democráticas e nacionalistas, sob a liderança do presidente João Goulart.
Os golpistas alegavam que investiam contra as instituições democráticas para combater a corrupção, repor a moralidade na administração pública, restaurar a ordem e impedir que o Brasil se tornasse um país comunista, pela suposta influência do Partido Comunista no governo e uma fantasiosa “inclinação” do presidente João Goulart ao comunismo. Alegavam ainda a necessidade de sanear a economia e as finanças nacionais, ameaçadas de bancarrota.
Nada mais falso. Os generais no poder declararam guerra ao povo e instalaram um clima de insegurança, medo, violência e terror para liquidar conquistas democráticas, sociais e patrióticas alcançadas em anos de duras lutas do povo brasileiro. Agiram em nome das classes dominantes, que temiam por seus privilégios. A prova cabal está no modelo econômico adotado na sequência – talhado segundo o figurino da grande burguesia monopolista e dos latifundiários. Na iminência de realizar as reformas de base, que constituiriam um passo importante para a consolidação da democracia e para abrir caminho ao progresso social, o país viu-se, com o golpe militar, obrigado ao retrocesso.
Ademais, o imperialismo estadunidense via com preocupação a intensificação da luta anti-imperialista em toda a América Latina. Seus estrategistas percebiam que o avanço das lutas sociais, democráticas e patrióticas no Brasil influenciaria decisivamente os acontecimentos em toda a região. Desde o imediato pós-guerra, os Estados Unidos aumentavam sua influência no país, seus laços com as classes dominantes e as Forças Armadas. A crise do segundo governo Vargas, dez anos antes, e o seu trágico final com o suicídio do presidente, foram o resultado do embate entre forças nacionalistas e entreguistas, estas últimas ligadas às posições estadunidenses. O golpe militar de 1964 teve a comprovada participação da embaixada dos Estados Unidos.
Assim, a ditadura militar instaurou no país um governo a serviço dos interesses das classes dominantes e do imperialismo estadunidense.
No transcurso do cinquentenário da deflagração do golpe militar surgem falsas caracterizações que, mesmo bem intencionadas e alicerçadas em debates acadêmicos, têm por efeito suavizar o caráter do regime ou atribuir-lhe inexistentes méritos.
Pretende-se que a ditadura não foi apenas militar, mas “cívico-militar”, resultante de um golpe com esta mesma natureza. A participação de civis na conspiração que resultou na quartelada, a mobilização de contingentes de massas – a famigerada Marcha da Família com Deus pela Liberdade – e o engajamento de caciques políticos no ordenamento institucional da ditadura militar, dando-lhe respaldo pseudoconstitucional e aparência de normalidade, não retiram o caráter castrense do regime. Como representantes das classes dominantes, esses civis atuavam para dar estabilidade ao regime que servia a essas classes. O arcabouço institucional civil era apenas uma fachada. Foi o expediente a que os generais recorreram para legitimar o golpe e o regime e torná-los palatáveis.
A outra caracterização que vem em socorro dos generais, também com respaldo acadêmico, é a da ditadura “desenvolvimentista”, qualidade que se procura atribuir ao governo do general Geisel, uma leitura errada da fase que estava sendo percorrida pelo capitalismo dependente brasileiro, que não só no período de Geisel, mas nas mais de duas décadas que o regime durou, consistia numa aliança de classe entre o imperialismo (capital estrangeiro), a burguesia monopolista nacional e os latifundiários (capital nacional privado), com o respaldo do Estado empreendedor (capital nacional estatal), que punha a serviço do capital estrangeiro e do nacional gigantescos recursos e provia-lhes com infraestrutura.
Quase trinta anos decorreram desde a superação do regime militar. Neste período o povo brasileiro fez rico aprendizado, conquistou vitórias e encara o futuro com perspectiva. Valoriza a democracia, aprofunda sua consciência nacional e mobiliza-se pelo progresso social. Muito embora o país seja bastante diferente do de 1964, em essência as razões das lutas que se desenvolviam então continuam presentes nas de hoje. Apesar dos avanços, as classes dominantes mantêm os seus privilégios, o imperialismo continua tendo fortes interesses no país. As mudanças estruturais necessárias a tornar o Brasil uma forte nação progressista continuam pendentes. E, embora a História não se repita, o país não está a salvo da violência política dos reacionários ou mesmo de arranjos eleitorais e institucionais que provoquem retrocessos.
Por isso, ao relembrar os trágicos acontecimentos de 31 de março e 1º de abril de 1964 e reafirmar a condenação ao regime de facínoras que massacrou o povo brasileiro durante 21 anos, é preciso também reafirmar o compromisso de avançar na caminhada democrática e patriótica que tem sua expressão política mais concentrada no governo da presidenta Dilma Rousseff e na luta pelas reformas estruturais democráticas.
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