domingo, 23 de junho de 2013

Vida longa às tradições... Viva São João!


Por Raquel Medeiros no Blog Nas entre linhas 

A festa mais popular do Nordeste é o silo que armazena e preserva os laços com as gerações passadas

Os sentidos despertam para a tradição. Aguçados, recepcionam Junho e todos os seus dias de cheiros, cores, sabores, estampidos e sensações. No Nordeste é assim: o sexto mês do calendário é o silo cultural onde estão armazenados e preservados os laços com as gerações passadas. É a ponte com as origens dos colonizadores europeus e toda a bagagem material e imaterial do além-mar que permeia costumes, modos e modas. A herança da festa - agrícola por excelência - tem seu quinhão religioso amparado nos textos bíblicos. A fé que move ritos endereçados ao céu emparelha-se com os prazeres terrenos cultivados ao longo dos séculos. Essa versão profana, na tradução singular do sociólogo Gilberto Freyre, é estritamente afrodisíaca.
Em "Casa-grande & Senzala", obra célebre que inaugura estudos sobre a antropologia histórica do Brasil, Freyre descreve os festejos de São João como uma das primeiras celebrações "meio populares, meio de igreja" presente nas crônicas coloniais. O seu olhar se detém sobre as atribuições casamenteiras dirigidas ao dono da fogueira que queima na noite de 23 de junho. Tanto quanto Santo Antônio - afamado pelos feitos impossíveis de juntar corpos e almas diante do altar -  São João é invocado a realizar intervenções matrimoniais com auras milagrosas: "Pois as funções desse popularíssimo santo são afrodisíacas; e ao seu culto se ligam até práticas e cantigas sensuais. É o santo casamenteiro por excelência", escreveu no livro publicado em 1933.
A abordagem de Gilberto Freyre - baseada nos vestígios da colonização portuguesa - apresenta um dos fios condutores da festa. Plural, a celebração conjuga símbolos do catolicismo e das oferendas pagãs pela fecundidade da terra e fartura das colheitas. A fé, o fogo, a música, a dança, o banquete... Os altares das igrejas, as procissões iluminadas por velas, os cânticos sacros de adoração às imagens que desfilam nos andores enfeitados de flores. Nas ruas, os arraiais. Reproduções transitórias de povoados imaginários regidos pelo ritmo quente do forró e pela sedução do balanço dos quadris quase colados. Os acordes da sanfona dão o tom e a quadrilha - dança de origem francesa que veio pela mão do Império - narra através da coreografia o galanteio dos cavalheiros por suas damas.  

O que o olho vê e o coração sente

Os arraiais juninos instalados nas cidades do Nordeste são territórios de exotismo e sedução. A decoração é deleite para os olhos na explosão de cores que invade as avenidas. Bandeirolas, estandartes e balões agitam-se ao sabor do vento e esboçam o chamado à celebração. A vivacidade dos tons marca, ainda, o floral da chita que forra as mesas dos banquetes e estrutura o volume dos saiotes das mulheres que rodopiam nos salões a céu aberto. As camadas de tecidos desafiam o clima tropical e situam a inspiração extraída das vestes da corte.
A gastronomia atiça o paladar e compõe uma história de paixão pelos doces e quitutes sinônimos de abundância. "A festa do milho, cujos produtos culinários - a canjica, a pamonha, o bolo - enchem as mesas patriarcais para as vastas comezainas da meia-noite", assinala Gilberto Freyre. Os pratos excitam, ainda, o olfato no misto de cheiros que invadem as narinas: da pólvora dos fogos que rasgam e céu e da fumaça das fogueiras que conectam o santo com um rosário de pedidos. No contexto mais afrodisíaco, como aponta o sociólogo pernambucano, as comemorações revestem-se da busca pelo amor. "Os grandes santos nacionais tornaram-se aqueles a quem a imaginação do povo achou de atribuir milagrosa intervenção em aproximar os sexos, em fecundar as mulheres, em proteger a maternidade".  Na lista dos patronos dos enamorados a tríade João, Antônio e Pedro impera no Nordeste. Os corações ficam em festa.  
(Foto: reprodução)

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