sábado, 9 de março de 2013

Alice Portugal fala sobre luta para aprovar projetos para mulher


Brasileira, mãe, profissional e líder política. A farmacêutica e deputada federal, Alice Portugal (PCdoB-BA), sabe das dificuldades da mulher brasileira ao assumir tantos papéis em uma sociedade construída, durante séculos, pelo viés machista. “A mulher trabalha, no seu ofício, seja braçal ou intelectual, e ao voltar para casa ainda enfrenta a divisão sexual do trabalho”, disse a deputada.


Na entrevista concedida ao Sindicato dos Engenheiros da Bahia (Senge-BA), por ocasião do Dia Internacional da Mulher, comemorado no dia 8 de março, ela destaca que a data será mais um dia de luta para vencer as resistências de aprovação do Projeto de Lei cria mecanismos para garantir a igualdade entre mulheres e homens, para coibir práticas discriminatórias nas relações de trabalho urbano e rural, no âmbito público (em todas as esferas) e no privado.

Segundo Alice, o projeto foi assinado por ela, mas a autoria da elaboração contou com a participação coletiva de centrais sindicais, da bancada feminina e do governo federal. 

Ela explica que os mecanismos de fiscalização propostos pelo projeto geram entraves. “As empresas que têm representantes no Congresso Nacional põem o pé e o projeto não anda. Por isso, ele está desde 2009 para ser votado. Essa luta acontece agora, no mês de março, no plenário do Congresso Nacional”, anunciou a deputada.

Durante a entrevista, a deputada também falou sobre a crescente inserção da mulher no mercado de trabalho, em profissões antes tidas como “masculinas”, a exemplo da Engenharia, e de como essa realidade impulsiona as empresas, instituições públicas e entidades profissionais a adotarem um novo posicionamento.

Confira a entrevista na íntegra:

Senge-BA: Como surgiu a proposta do Projeto de Lei (PL) 6.653/2009?
Alice Portugal: O projeto foi feito por muitas mãos. Assinei o projeto, mas tem a participação das cinco centrais sindicais, da bancada feminina e da Secretaria Nacional de Políticas Públicas para Mulheres. A ideia é construir mecanismos que facilitem a empresa a promover o trabalho das mulheres, como premiações e certificações de ação social.

Senge-BA: O mercado de trabalho brasileiro para mulher do século 21 é promissor?
AP: No Brasil, o século 20 foi da mulher. De fato, tivemos uma grande introdução das mulheres no mercado de trabalho. As mulheres romperam o circuito das quatro paredes do lar. Mas, ainda continuamos com graves problemas. Um deles é a violência. O outro é a diferença salarial. Atualmente, as mulheres são 52% da população mundial e já correspondem a maioria dos professores universitários e aprovados em concurso público. A população com maior escolaridade é de mulheres. Apesar disso, quanto à configuração média de salário, ainda está em torno de 32% a diferença entre o salário de homens e mulheres. O caso mais drástico é o caso das cortadoras de cana. Pesquisas realizadas por universidades paulistas dão conta que a diária de uma cortadora de cana é a metade da diária de um cortador. O fardo não é tão diferente assim. Essa luta pela equidade de salário diz respeito a uma isonomia de lei no mundo do trabalho.

Senge-BA: O projeto traz um capítulo dedicado ao “equilíbrio entre as responsabilidades familiares e profissionais”. É uma referência direta a “dupla jornada” de trabalho sofrida pelas mulheres?
AP: A dupla jornada é uma exploração silenciosa. A mulher trabalha no seu ofício, seja braçal ou intelectual, e ao voltar para casa enfrenta a divisão sexual do trabalho. Ela tem que dar conta das tarefas domésticas, deixar tudo “prontinho” e, quando é escolarizada, tem que fazer as tarefas da escola com os filhos. É uma luta para ir a uma associação, sindicato, universidade, igreja. É uma batalha muito grande para ela conseguir obter uma formação.

Senge-BA: A falta de colaboração do homem nas tarefas domésticas perpassa por séculos de um cultura machista, como é possível transformar essa realidade?
AP: A exploração da mulher , que muita gente ainda acha que não existe, é a forma de preconceito mais antiga que a humanidade tem notícia. Desde o momento que, na comuna primitiva, o homem caçador passava a acumular. Esse caçador dominante resolveu coletar apenas para os seus consanguíneos e aprisionou a mulher na cerca, constituindo assim a propriedade privada. O conceito da propriedade privada é irmão gêmeo da opressão da mulher e da dupla jornada. A mulher foi transformada socialmente, não biologicamente, na geradora dos herdeiros consanguíneos do coletor caçador. Então, a solução da dupla jornada é cultural. A escola e família precisam ensinar que menino também tem que lavar prato e arrumar casa e começar a transformar essa cultura. Na escola, é preciso praticar uma educação não diferenciada para meninos e meninas. Também tenho um projeto nesse sentido de formar o educador para ensinar que também existe engenheira e pilota de avião.

Senge-BA: Quanto às empresas, o PL cita medidas de incentivo para ações de igualdade de gênero no ambiente de trabalho. Entre elas, está o selo distintivo, como funcionaria?
AP: Você deve garantir um selo para as empresas que implementam ações nesse sentido. A empresa que tiver essa contrapartida social estará divulgando em sua propaganda pública que valoriza as mulheres, que tem uma alta porcentagem de mulheres executivas e que fortalece a equidade social. É um mecanismo simbólico que enraíza uma política de fortalecimento da trabalhadora.

Senge-BA: O projeto também propõe medidas fiscalizatórias, com a criação de conselhos dentro das empresas. Mas o PL ainda enfrenta resistências para sua aprovação…

AP: Os mecanismos de fiscalização geram entraves. O PL propõe uma correlação com o Ministério do Trabalho para que haja fiscalização relacionada com exploração e a diferença salarial para a mesma função. As empresas que têm representantes no Congresso Nacional põem o pé e o projeto não anda. Por isso, ele está desde 2009 para ser votado. Essa luta nós faremos agora no mês de março no plenário do Congresso Nacional. Já temos o compromisso, a palavra do presidente da Câmara. Com consenso ou não, o projeto irá para apreciação do plenário.

Senge-BA: Outra grave questão é o assédio moral e sexual, cuja maioria das vítimas são mulheres. Por que é tão difícil coibir essas práticas no ambiente de trabalho?
AP: O assédio sexual é crime, o assédio moral ainda não foi tipificado como crime. O projeto propõe mecanismos inibidores dessas práticas absurdas e que é muito mais comum do que a gente imagina. O assédio moral começa com a desqualificação do trabalho da mulher, desconstruir o seu perfil para que possam inclusive depreciar o valor do seu trabalho. É o velho ditado popular: “quem desdenha, quer comprar”. Então, desdenhar moralmente para pagar pouco e dizer que vale menos. Tem que haver regras iguais. Se o trabalho vale X, é X para homem e mulher. Quanto ao assédio sexual, temos muita dificuldade em achar testemunhas. A mulher é colocada sempre como uma provocadora. E no caso de violência e estupro há ainda quem cogite que foi o assédio de uma mulher que incitou alguém a tomá-la à força. Lamentavelmente ainda a busca de favores sexuais para a manutenção de cargos e de postos de emprego. Essa situação a literatura e o cinema têm abordado muito. Evidente, que um projeto que trata de equidade salarial não poderia deixar de tratar dessas anomalias.

Senge-BA: Há preocupação também com os acordos e negociações coletivas. As entidades sindicais têm se preparado para a garantia dos direitos das mulheres profissionais?
AP: Os sindicatos são uma fatia muito atuante no mercado brasileiro. As centrais sindicais participaram da elaboração do projeto de lei 6653/2009. Por que nas lojas de comércio de rua, são as mulheres que ficam na porta chamando os clientes? Em Nova Iorque, os comerciários estão sentados e quando o cliente chega, eles vêm lhe atender. No Brasil, a mulher trabalha em pé e nós sabemos a gravidade que isso exerce no seu sistema circulatório em função da característica hormonal feminina. O que é uma mulher em pé durante 25 a 30 anos de serviço? Isso, evidentemente, precisa ser tratado nas convenções coletivas. Na engenharia, por exemplo, com a crescente inserção feminina na profissão, como introduzir o tema da celeridade de envelhecimento da mulher no ambiente de trabalho? Tudo isso tem de ser discutido, são problemas novos, colocados para a apreciação dos sindicatos. As entidades sindicais têm um papel que extrapola o dissídio, a relação trabalhista. Precisa-se pensar também na sua arquitetura sindical, para atender às novas demandas que estão postas, não apenas no mundo do trabalho, como também em relação à vida das pessoas. As características da categoria, a sua formação. A classe operária mudou de cara. Ela é mais jovem, é mais preparada e é mais feminina.

Senge-BA: O projeto busca garantir a igualdade entre mulheres e homens nas relações de trabalho rural e urbano, tanto na esfera privada como pública. Onde a discriminação contra a mulher é mais difícil de ser combatida?
AP: O problema rural é o mais sério. Porque há uma desregulamentação muito grande, principalmente o trabalho da mulher. Há lugares nesse país que tem ainda o trabalho escravo. O Ministério do Trabalho busca com as centrais sindicais jogar duro em cima disso. Mas ainda há relações semi-feudais. Há o regime de “meia” ou de “terça”. O trabalhador produz e a metade ou um terço é do dono da terra. A mulher trabalha, mas a renda é do homem. Conseguimos derrubar alguns mitos na lei. No Código Civil, já não há a presença do chefe de família. Homem e mulher são chefes de família. Os programas da reforma agrária, o lote do terreno da reforma agrária é dado à mulher. Porque a mulher não vende a terra, por causa da prole. O homem vende a terra e isso é crime. No Programa Minha Casa Minha Vida, lutamos para que a chave seja da mulher. Há vários projetos na Câmara para que a construção no Minha Casa Minha Vida utilize 30% de mulheres como operárias.

Senge-BA: De acordo com a última pesquisa do DIEESE, as mulheres ainda são as mais vulneráveis à demissão. Há medidas governamentais para transformar esse dado?
AP: Nos Estados Unidos, a primeira medida de Obama foi regular a demissão de mulheres chefes de família. O Projeto de Lei (PL) 6.653/2009 induz a isso, mas ainda não é peremptório. Algumas pesquisas já revelaram que temos a maior média nacional de mulheres chefes de família. Segundo estatística do IBGE, nacionalmente, temos 42% e na Bahia é 51%. Se você demite primeiro a chefe de família, que não tem parceiro na manutenção de sua casa, como ela fica? É preciso criar nas empresas essa consciência social. A assistência social na empresa privada não pode ser apenas para demitir ou admitir, para fazer psicoteste ou exame admissional. Precisa também intervir para não colaborar com a pobreza, a miséria e a exclusão social. A CLT diz há décadas que empresas com mais de 200 empregados devem ter creche. E os sindicatos têm que ser duros com isso.

Senge-BA: Há um maior conhecimento dos direitos e garantias das mulheres profissionais?
AP: Com a democratização da mídia, em tese, e com a expansão do trabalho da mulher, esses direitos acabam sendo mais divulgados. Mas, é preciso lutar pela efetivação e cumprimento. Por exemplo, a Lei Maria da Penha, que muito me orgulho de ter ajudado a construir e a aprovar, foi uma lei que “pegou”. Ainda assim, mulheres morrem e são espancadas todo dia. Porque a execução de todo o cumprimento da lei de proteção ainda não foi construída. Em Salvador, só tem uma vara específica para violência contra mulher e são quase 3 milhões de habitantes. Ou seja, não dá conta. Em todo o interior são 11 varas, para uma Bahia do tamanho da França. A vítima denuncia à delegada que estabelece os ritos da lei e vai para a justiça. Infelizmente, muitas vezes, a mulher morre antes do resultado. Como o caso da cabeleireira mineira. Ela pediu apoio, estava com processo judicial em curso. Havia uma deliberação de que o marido não podia se aproximar “x” metros dela, mas ela morreu. Hoje, as mulheres têm conhecimento da lei, mas a sociedade civil organizada precisa reivindicar do Estado o seu cumprimento.

Senge-BA: Dilma Rousseff como presidente da república trouxe transformações do tratamento de lideranças femininas nas esferas de poder público?
AP: Um país como o Brasil, que teve a República proclamada em 1887, ter pela primeira vez uma mulher na presidência, isso é um advento. Foi realmente uma grande oportunidade e Dilma é uma mulher preparada e sabe o que diz. Mas apesar disso, a mulher ainda é sub-representada. Atualmente, temos na Câmara dos Deputados apenas 8% de mulheres. No Ranking mundial feito pela Interparlamentar da ONU, estamos em 181º lugar, atrás de países como a Namíbia, Moçambique, Paraguai, Argentina. É uma coisa impressionante. Somos 513 deputados e destes apenas 44 são mulheres. É muito pouco. Nas assembleias, quando se chegou ao maior número, agora na Bahia, temos 12 deputadas para 61 deputados. A sub-representação na política é a marca de que as mulheres não foram ainda alçadas ao núcleo do poder no nosso país, apesar da presidenta da República. E esse é um processo que tem relação cultural, mas tem relação também com alei. Porque nesses países em que houve um crescimento de representação feminina, houve uma política de cotas e sanções para os partidos que não cumprissem as cotas. Temos a política de cotas, mas o partido que não cumpre apenas manda uma justificativa.

Senge-BA: O PL trata também de política de cotas para mulheres em concursos públicos e nas vagas de emprego das empresas…
AP: Do ponto de vista político, essa distinção precisa ser feita. Inclusive dentro dos sindicatos, porque temos um débito social. As cotas nas universidades foram muito importantes. Mudou o sobrenome nas faculdades de medicina, mesclou a composição de classes nas faculdades de engenharia, deu chance a quem tem capacidade, até que a escola pública possa ser reconstruída depois de anos de desconstrução. São políticas afirmativas da maior importância. Para a mulher também é necessário. É necessário que os partidos também indiquem uma quantidade de mulheres para suas chapas. E os sindicatos tenham nas suas diretorias departamentos femininos para olhar com olho de gênero as incongruências do mercado de trabalho e nas suas diretorias para que as mulheres se preparem para o processo de defesa de direitos. É muito importante que essas políticas afirmativas sejam acolhidas como meio de evolução das relações sociais.


Fonte: Vermelho

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