Jack Guez / AFP / Getty Images Sistema antimíssil israelense Cúpula de Ferro em demonstração. |
Enquanto o premiê israelense Benjamin Netanyahu colhe frutos da ofensiva contra Gaza e, satisfeito, negocia mais com o seu governo do que com os palestinos a extensão do cessar-fogo reinstalado na segunda-feira (11), as notícias para o mercado financeiro e para o complexo industrial-militar são de lucros. A impunidade e a ineficácia do sistema internacional na proteção dos palestinos contra o massacre são acompanhados também pelo papel do capital na guerra.
Por Moara Crivelente*, para o Vermelho
Desde que o imperialismo é assim denunciado, a começar por Lênin, a estreita conexão entre o belicismo na agressão aos povos e a força do capital financeiro é enfatizada. Atualmente, a avaliação passa pelo complexo industrial-militar abastecendo as grandes corporações multinacionais, dedicadas a atividades variadíssimas que incluem, em seus “portfólios”, fábricas de equipamentos militares diversos ou de “duplo uso” – materiais geralmente tecnológicos que podem ser empregados na agressão, mas também em atividades civis. A ambiguidade, afinal, também é um dos instrumentos.
Entre as discussões sobre seus custos bilionários e o orçamento de um Exército “inchado”, a chamada “operação Margem Protetora” – que provocou também o inchaço do déficit orçamentário do governo de Israel, mas foi envolta em jogadas de propaganda e manipulações discursivas do próprio direito internacional humanitário para justificá-la legal, “moral” e financeiramente – revela, assim como todas as outras grandes ofensivas e as práticas que sustentam a ocupação dos territórios e das vidas dos palestinos cotidianamente, um “laboratório de testes” e demonstrações da eficiência bélica na opressão e na devastação.
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O sistema antimíssil Cúpula de Ferro – desenvolvido pela companhia israelense Rafael Sistemas Avançados e mantido por um financiamento bilionário dos Estados Unidos, o patrocinador oficial das agressões israelenses contra os palestinos e outros vizinhos árabes – virou a estrela dos noticiários e da propaganda de guerra de Israel.
As maiores companhias do setor militar israelense, também denominado “setor de Defesa”, são a Elbit Systems, as Indústrias Aeroespaciais de Israel (IAI) e a Rafael – as duas últimas são geridas pelo governo – que fortalecem exponencialmente as suas relações com o Exército, como suas contratadas, ou vice-versa. Neste sentido, a projeção do seu produto – em essência, a matança – no mercado internacional foi mais uma vez eficiente, já que a demonstração é justamente o seu emprego. Sadeh aponta que cerca de 80% da produção bélica em Israel é destinada à exportação, enquanto o resto é comprado pelo Exército israelense e outras forças do aparato doméstico.
Em 2012, Benny Ziffer, também em artigo no Haaretz, criticava a cultura dos “comentários de guerra”, o que taxou de “uma droga e uma doença”. O contexto era o de outra das cíclicas “operações” contra Gaza, naquele ano intitulada “Pilar de Defesa”. Em Israel, Ziffer escreveu, em novembro, “não há quem possa dar sermões a outros para deixarem esse vício pervertido em guerra, porque todos sofremos da mesma doença.” Não só os lucros do complexo industrial-militar o demonstram como também o respaldo recebido pelo governo de grande parte da opinião pública, na condução da ofensiva, embora vozes dissonantes e contrárias, ainda que de uma forma ou de outra punidas por isso, também sejam abundantes no país.
Outras grandes ofensivas também contra a Cisjordânia e o Líbano em anos recentes são apontadas como oportunidades de experimento de novas armas e tecnologias militares por Sadeh e já haviam sido apontadas inclusive por soldados que deram testemunhos à organização israelense “Quebrando o Silêncio” (Breaking the Silence). As demonstrações, afirma Sadeh, “tiveram um efeito positivo nas vendas ao exterior.”
Em 2002, no auge das repressões contra o levante palestino, a segunda intifada, que eclodiu em 2000, as exportações do setor militar eram de US$ 2 bilhões (quase R$ 7 bilhões no câmbio daquele ano, que fechou em pouco mais de R$ 3) e, em 2006, já tinham dobrado. Em 2012, eram de US$ 6 bilhões (R$ 12 bilhões) e, em 2013, a Elbit tinha renda anual de US$ 3 bilhões; as IAI, de US$ 2,65 bilhões; e a Rafael, que atingiu a maior taxa de crescimento em vendas, de 15%, com US$ 2 bilhões. O Ministério da Defesa, entretanto, recusa-se a revelar todos os números das exportações israelenses; os dados acima só foram revelados após um recurso apresentado por uma organização de defesa dos direitos humanos, pontua Sadeh.
Desse modo revelou-se também que em 2012 acordos de US$ 3,83 bilhões foram assinados em 2012 com países da Ásia; de US$ 1,73, com países da Europa; US$ 1,1 bilhão com Canadá e os Estados Unidos; US$ 604 milhões com a América Latina e US$ 107 milhões com a África. Embora Israel só tenha admitido acordos de venda com os EUA, a Espanha, o Reino Unido, a Coreia do Sul e o Quênia, o Haaretz encontrou acordos com ao menos mais 33 países.
A empresa também produz o veículo aéreo não tripulado (drone) Heron, o radar tático Pedra Verde para foguetes de curto alcance não detectados pelo da bateria de mísseis Cúpula de Ferro, e o sistema “Troféu” citado antes, posto à prova antes do planejado por causa da ofensiva contra Gaza, pontua o autor, “e [que] teve um bom desempenho”.
Enquanto as análises ainda são feitas em linguagem estratégica-militar e as contabilizações variam entre o número de pessoas mortas – a Organização para a Libertação da Palestina estimou, na segunda-feira (11), em 1.940 o número de vítimas fatais, sendo 467 delas, crianças – e lares, infraestrutura essencial, igrejas, mesquitas, escolas, mercados e prédios do governo arrasados, a propaganda de guerra dedica-se a justificar os crimes e as violações cometidas tanto pelo mercado quanto por seus líderes no assombroso espectro político e financeiro.
*Moara Crivelente é cientista política e jornalista, fez parte da redação do Portal Vermelho e integra o Centro Brasileiro de Solidariedade aos Povos e Luta pela Paz (Cebrapaz)
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